fonte: Folha de SP
Uma proposta que pretende diferenciar médicos especialistas que se atualizam por meio de cursos e participação em congressos, por exemplo, daqueles que não fazem nada disso opôs as duas principais entidades médicas do país, a AMB (Associação Médica Brasileira) e o CFM (Conselho Federal de Medicina).
No último dia 12, a AMB, que representa 54 sociedades de especialidades médicas, publicou uma resolução instituindo o Cate (Certificado de Atualização do Título de Especialista), no qual estabelece que, a partir do próximo dia 15 de março, todos os médicos que vierem a obter títulos de especialistas deverão participar obrigatoriamente do processo de certificação.
Os que já tiverem esses títulos ou certificados de atuação estão desobrigados a participar do processo, embora possam fazê-lo caso queiram, diz a resolução.
O sistema de certificação será baseado em créditos (no total de cem) a serem acumulados em até cinco anos. A AMB definirá a proporcionalidade de eventos e atividades que somarão créditos. No final desse período, será avaliado se o especialista teve uma educação continuada para concessão (ou não) do certificado.
Em reação à proposta, o CFM publicou na terça-feira (18) uma nota em que diz que “nenhum médico com RQE (Registro de Qualificação de Especialista) ativo terá sua especialidade questionada ou revogada com base em qualquer norma em desacordo com a lei”.
Segundo o conselho, a exigência contraria expressamente o artigo 17 da lei 3.268/1957, que regula o exercício da profissão médica no Brasil.
“A regulação do exercício profissional da medicina é uma prerrogativa exclusiva do CFM que, em proteção ao resguardo dessas atribuições, não aceitará tais decisões.”
Vários países do mundo já exigem que os médicos comprovem que estão se atualizando durante a carreira para continuar com o título de especialista.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há um sistema de acreditação em que os profissionais vão acumulando créditos e registram isso em uma plataforma. Até 2018, essa reavaliação acontecia a cada dez anos. De 2018 até o ano passado, a cada cinco anos, e a partir deste ano a avaliação será contínua. Ou seja, o tempo todo o médico terá que demonstrar que está atualizado.
O presidente da AMB, Cesar Eduardo Fernandes, diz que a entidade se inspirou no modelo norte-americano para criar o certificado de atualização brasileiro.
“Dou o meu exemplo. Formei-me em 1975, tirei o meu título de especialista em ginecologia e obstetrícia em 1978. De lá para cá, muita coisa mudou, mas não existe nenhuma exigência para que eu demonstre que me atualizei ao longo desses anos.”
No Brasil, há duas formas de se tornar especialista: por meio de uma residência reconhecida pelo MEC (Ministério da Educação) ou de uma prova de pares, aplicada pelas sociedades médicas e AMB, em que o indivíduo responde a questões teóricas e depois faz uma prova prática, na qual são atestadas competências, habilidades e atitudes por uma banca examinadora.
“Nos Estados Unidos só é considerado especialista quem passa na prova de pares. Aqui no Brasil tem esse caminho que não me agrada. Temos residências maravilhosas, mas temos sofríveis também. E basta fazer uma residência sofrível que você vai no seu CRM [Conselho Regional de Medicina] e obtém o título.”
De acordo com ele, o mercado tem feito a distinção entre esses dois títulos. “Alguns grandes hospitais de São Paulo, como [Albert] Einstein, Sírio [Libanês] e Oswaldo Cruz, só aceitam para trabalhar no seu corpo clínico quem tem o título baseado no exame de pares.”
Para Fernandes, não fazer nenhuma avaliação do especialista ao longo do tempo é viver nas trevas. “Isso compromete a segurança do paciente. Hoje você vai a um especialista e supõe que ele tenha um conhecimento especializado e atualizado, mas não há essa certeza.”
Segundo o presidente da AMB, a decisão de só exigir a certificação dos novos especialistas, e não dos que já estão em atuação, foi para evitar disputas judiciais. “As pessoas entendem que há direitos adquiridos, e isso daria um imbróglio jurídico danado.”
O cuidado parece não ter surtido efeito, porque CFM contesta a competência da AMB para adotar a certificação de atualização. Fernandes, por sua vez, diz que o documento está dentro das prerrogativas legais da AMB.
“Isso é uma cópia do modelo americano, não é uma jabuticaba, uma invenção nossa. Consultamos o nosso jurídico, que entendeu que isso está correto. É uma questão de responsabilidade com o paciente.”
Ele afirma que, mesmo que o médico não consiga o certificado de atualização ao fim de cinco anos, ele continuará com o título de especialista porque, como pontua o CFM, a prerrogativa de regular o exercício da profissão é do conselho médico.
“Mas as pessoas vão passar a perguntar: ‘o senhor tem o certificado de atualização?’ E vai se criando uma prática responsável. Não podemos continuar vivendo na época das cavernas. Em 1940, no século passado, tudo bem, a medicina evoluía lentamente, mas agora não, a medicina todo dia muda.”