por Dr. Alexandre Campos Moraes Amato, integrante do departamento de Informática e Marketing da SBACV-SP (https:http://vascular.pro/prof-dr-alexandre-amato)
Por razões diferentes tanto a medicina socializada quanto a capitalizada tem a intenção de anonimizar o prestador da parte mais nobre da medicina, o atendimento médico-paciente. Vimos recentemente a entrada de médicos não validados para complementar o serviço escasso e mal distribuído do país, numa estratégia socializada onde a medicina é (teoricamente) igual independente de quem a executa e infraestrutura disponível. Visão notoriamente distorcida esta, mas que encontrou seus adeptos, por motivos eleitoreiros ou benefícios pessoais não republicanos.
Mas mesmo no capitalismo, onde a demanda por monopólio institucional também requer a massificação da medicina, a anonimização do prestador e criação de uma marca institucional forte faz com que o médico perca gradativamente o seu nome. Sua arte deixa de ser importante para a aceitação e seguimento de protocolos institucionais e contratos com operadoras. Não interessa mais se o médico na linha de frente é um excelente médico, mas, sim, se segue fielmente os protocolos fixos e imutáveis dessa ciência das verdades transitórias transformadas em dogmas para fins didáticos, e, acrescento, fins comerciais. E, quando o médico se recusa a assumir sua posição integral de autônomo, passa a ser peça num quebra cabeça maior e manipulado por interesses maiores.
A geração anterior de médicos ainda em atividade acompanha essa transição boquiaberta, onde aplicativos no celular, ou instituições de nome forte indicam seu melhor “produto” para determinado problema, e, esse produto agora é um médico sem nome, sob uma marca. Momentaneamente esse médico sente sua importância no sistema sendo referenciado e reconhecido pelo seu paciente, mas, da mesma maneira que o paciente não o encontrou pelo seu nome, na pequena variação do “produto” entregue, perceberá que o paciente não é seu, pois será redirecionado para um outro “produto” solucionador do problema. E esse produto é escolhido com base em “estrelinhas” num aplicativo ou algum índice de metas medido milimetricamente pelo sistema em que está inserido. Sejamos sinceros, o índice de resolutividade é apenas uma variável medida, o de retorno financeiro para a instituição é outro. Entre eles, qual é o mais importante para o intermediário?
A tradicional relação médico-paciente está se tornando relação hospital-paciente (ou qualquer outro intermediário-paciente, aplicativo-paciente por exemplo): os pacientes não buscam mais determinado médico, mas sim determinado serviço de saúde. E o mais incrível é que isso ocorre bem no meio da revolução da mídia social, que, teoricamente, coloca as pessoas em contato… com outras pessoas… ou não? E o pior de tudo, os médicos não estão só deixando isso acontecer, mas por não pensarem o que está escondido nas propostas que recebem, acabam agradecendo a oportunidade. Sem pensar que serão sumariamente trocados pelo próximo que bater as metas interessantes no momento.
Com o cerceamento da comunicação médica, que ocorre de várias maneiras, desde limitações severas impostas aos médicos e limitações frouxas aos serviços de não-médicos, muitos abstêm-se de qualquer aparecimento social com receio de julgamento externo. Embora sabidamente outros abusam. Isolam-se do problema colocando-se contratualmente sob clausulas (escritas ou não) abusivas. Aceitam a situação, agradecem a oportunidade, mas reclamam da conjuntura.
A aceitação desse status quo levará inexoravelmente ao fim da relação médico-paciente e da arte da medicina, e à massificação e transformação do serviço médico em um produto encapsulado e prontamente vendável. As máximas: “a clínica é soberana” e “cada paciente é um paciente” tornam-se fracas em frente à protocolos massificados e o poder financeiro das instituições.
Passou da hora de nós, médicos, olharmos criticamente para nosso passado e entendermos onde foi que erramos. E planejarmos o futuro que queremos, não os que nos é imposto.