fonte: O Globo
Foi o resultado de um exame de sangue que acendeu o sinal amarelo na vida do aposentado Pedro da Silva, de 68 anos. O PSA, proteína que, quando alta, indica câncer de próstata, estava acima do indicado. Ainda assim, era preciso uma tomografia para a confirmação. O teste, no entanto, só foi realizado seis meses depois.
O caso do morador de Volta Redonda ilustra um cenário comum no país: falta a urgência adequada em casos da doença, o que leva a diagnósticos com os tumores já em estágios avançados — como atesta relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado em setembro.
—Demorou muito para fazer o exame. Só quando cheguei ao Inca é que a coisa andou —conta Silva, no ônibus da prefeitura de Volta Redonda que leva os pacientes da cidade do Sul Fluminense até o hospital na praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio.
Na semana passada, o Senado aprovou uma lei que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a fazer, em até 30 dias, exames que confirmam o câncer, após o paciente ter passado por uma consulta médica que levante suspeita da doença. O texto seguiu para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.
Se aprovada, a mudança será incluída na lei que já estipula o início do tratamento pelo SUS em no máximo 60 dias a partir do diagnóstico do câncer.
No sistema público de saúde, a responsabilidade pelo exame de confirmação da doença é dos municípios. Após o diagnóstico, a rede municipal encaminha o paciente para as redes de complexidade mais alta, a estadual ou a federal.
A organização dos exames é feita através de uma espécie de fila eletrônica. Na cidade do Rio, por exemplo, o Sistema de Regulação (Sisreg) aponta que todas as 108 mulheres com o grau mais alto de urgência terão que esperar por uma ultrassonografia de mama — um dos exames para o diagnóstico de câncer no local — por pelo menos dois meses. A primeira da fila neste momento,por exemplo, entrou no sistema em fevereiro do ano passado.
A Secretaria Municipal de Saúde do Rio afirmou que a ultrassonografia de mama “não é o exame de rastreio ou diagnóstico de câncer, mas sim a mamografia”, que tem “número mais do que suficiente para atender à demanda da cidade”. Também diz que é preciso avaliar cada caso da ultrassonografia para explicar a demora.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia do Rio de Janeiro, Sandra Gioia, diz, no entanto, que a ultrassonografia de mama é importante para diagnosticar o câncer quando a mamografia não consegue a confirmação do resultado.
— O que nós queremos é a detecção precoce. Aí a mamografia é indispensável e o ultrassom pode ser necessário —afirmou a médica.
REDE SEM ESTRUTURA
O estudo do TCU atesta que o diagnóstico do câncer no país não está sendo realizado em tempo hábil. E revela um alto percentual de pacientes diagnosticados com a doença “em grau de estadiamento IV e V” — ou seja, os dois mais avançados dos cinco que existem.
— Uma paciente com nódulo suspeito, por exemplo, não pode entrar numa fila normal. Tem que ter tratamento especial, de urgência — defende Gioia. — A gente recebe os pacientes com os nódulos grandes, sangrando, o braço inchado. São sintomas da demora dos exames que levarão ao diagnóstico.
O estudo do TCU também destaca que a rede de exames ofertados pelo SUS não está suficientemente estruturada para possibilitar aos pacientes com suspeita de câncer receberem no tempo adequado o diagnóstico exato.
A regulação do acesso à assistência à saúde no país, segundo o TCU, possui “deficiências quanto à organização, ao gerenciamento e à priorização do acesso por meio de fluxos assistenciais no âmbito do SUS”.
O Ministério da Saúde afirmou que, em oito anos, dobrou os recursos federais destinados aos tratamentos do câncer na rede pública de saúde, passando de R$ 2,2 bilhões em 2010 para R$ 4,4 bilhões em 2018.
Afirma ainda que “a auditoria (do TCU) retrata uma amostra apenas dos oito tipos de cânceres mais prevalentes, o que não representa o cenário nacional”.
Segundo a pasta, o Brasil tem 309 hospitais habilitados a oferecer assistência ao paciente com câncer.