fonte: O Globo
Foram três anos seguidos de inflação abaixo do centro da meta ou bem perto do patamar fixado pelo governo. Nesta sexta-feira, o IBGE informou que o IPCA de 2019 foi de 4,31%, ligeiramente acima dos 4,25% do centro da meta de inflação. Os preços sob controle nos últimos anos não evitaram porém que dois itens com forte peso no orçamento familiar tivessem altas expressivas: planos de saúde e mensalidades escolares.
Nos planos de saúde, a alta desde 2017 foi mais que o triplo da inflação: 36,61, contra 11,41%. Na educação, os cursos regulares (creche, educação infantil, ensino fundamental e médio, faculdades e pós-gradução) tiveram reajuste médio de 20,22% nos últimos três anos, quase o dobro do IPCA.
Se a carne foi o vilão da inflação em 2019 — com alta de 18% — educação e saúde têm pressionado o orçamento das brasileiros nos últimos anos. É um padrão que se repete desde 2012, com esses itens subindo acima da média. A única exceção foi 2015, quando o IPCA subiu 10,67 e os reajustes escolares ficaram um pouco abaixo, 9,17%.
Nem mesmo a recessão econômica que atingiu o país entre 2014 e 2017 e o elevado desemprego foram capazes de frear esses aumentos, que oneram o orçamento da classe média em famílias de diferentes perfis — para quem tem idosos, planos de saúde pesa mais, nos domicílios com crianças, a educação ganha importância.
A saída das famílias tem sido negociar caso a caso ou até trocar de escola e plano de saúde. Na casa de Hui Fan Chi, de 43 anos, a saída foi conversar com a creche, na Tijuca, na Zona Norte do Rio, para evitar os 5% de reajuste de mensalidade da filha, de 3 anos, e trocar a modalidade do convênio médico por um mais básico para economizar.
— Pesa (no orçamento) pois é muito caro, mas não temos outra opção. A criança precisa se desenvolver. Expliquei para diretora que tenho um comércio e que as coisas estão muito difíceis. Qualquer desconto é um desconto — afirma.
Na avaliação de Julia Passabom, economista do Itaú, serviços como educação e saúde tradicionalmente sobem acima da inflação média, uma vez que fazem repasses automático dos custos ao consumidor. No entanto, por levar em consideração a expectativa inflacionária no futuro, ela acredita que os reajustes poderão ser menores em 2020.
— Apesar do grupo estar acima, essa taxa tem desacelerado ao longo do tempo, o que é um bom sinal. A foto (situação atual de reajustes) pode parecer ruim, mas a inflação está desacelerando — explica.
Nos planos de saúde, em julho, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fixou o reajuste máximo de 7,35% para os contratos individuais, no menor percentual desde 2010.
Na educação, cada instituição de ensino tem autonomia para definir seu percentual de reajuste, de acordo com a sua previsão de investimentos, propostas pedagógicas, inadimplência, entre outros fatores. Segundo especiaistas, tradicionalmente, cerca de 80% dos reajustes são reflexo da folha de pagamento dos funcionários, que costumam incorporar a a inflação passada.
Desde 2005, o salário mínimo, que tem forte peso na folha salarial, teve expressivos ganhos reais, subindo acima da inflação. Mas, em 2020, o piso foi reajustado em 4,1%, para R$ 1.039, um percentual menor do que o INPC, índice de inflação usado como parâmetro para salários, que foi de 4,48%.
A falta de um aumento real do salário mínimo em 2020 pode sinalizar para um freio nos reajustes de educação no futuro, avalia Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio.
— É um mercado (da educação) com poder se estabelecer seus preços, mas mesmo com esses descontos (que são concedidos), essa variação vai ficar muito abaixo dos anos anteriores, pois o aumento acima da inflação levou a uma queda de alunos — acrescenta.
De fato, ainda que acima da inflação, os reajustes na educação têm perdido fôlego nos últimos anos. No ensino fundamental, a alta chegou a ser de 11,28% em 2016 e ficou em 6,99% no ano passado. Na educação infantil, o ápice foi em 2014, com reajuste de 11,95% — em 2019, o aumento foi de 6,91%. No ensino superior, a alta máxima foi de 8,51% em 2015, contra 3,91% no ano passado.
No caso dos planos de saúde, os reajustes fixados pela ANS valem apenas para planos individuais, que respondem por cerca de um terço do mercado. Nos planos coletivos, cujos reajustes não são regulados, não há um levantamento sobre a média do percentuais. Mas os aumentos têm ficado acima de 10% e, em 2019, houve relatos de altas de até 70%.