fonte: Saúde Business
A pandemia do novo coronavírus coloca-se como um desafio tão elaborado quanto o das provocações utópicas das discussões de saúde. É um sistema complexo que envolve biologia, comportamento humano, economia e política. Grandes conjuntos de dados estão sendo criados, os quais cientistas se esforçam para trazer significado, e assim encontrar respostas.
O trabalho de análise, rastreio e orientações pode parecer um tanto vago quando se tem muito mais pontos faltando na história do que peças encaixadas. Ainda mais para uma parcela da população que possui dificuldades em relacionar a ocorrência do surto com os resultados em sua comunidade – até que a doença esteja perto demais.
Não faltaram projeções que assustassem até os mais experientes cientistas, mas há alguns meses, não faltaram críticas ao isolamento social e o quanto a medida estava sendo precipitada. Afinal, eram somente alguns casos. Foi com o trabalho massivo dos grandes meios de comunicação, destacando a validade do meio científico e o poder dos dados, que conseguiu-se legitimação de fala para as análises.
O vírus expôs algumas das feridas mais fundamentais da saúde, a disparidade de acesso, o esgotamento clínico e a dificuldade na integração de informações e governança nos sistemas de saúde como um todo.
Uma publicação do Health IT Analytics provoca: “Embora o coronavírus tenha acentuado a promessa de ferramentas avançadas de análise, a pandemia também revelou a relativa imaturidade da tecnologia. Problemas relacionados ao acesso, compartilhamento e qualidade de dados ainda afetam a precisão dos algoritmos, bem como a capacidade de desenvolver algoritmos em primeiro lugar. Para um setor que passou anos com o EHR (electronic health records) e os dados digitais, é preciso se perguntar: por que tantos cuidados de saúde ainda são reativos em vez de proativos?”
Quando o setor de saúde formou a linha de frente contra o coronavírus, notou-se um padrão curioso, no qual organizações de diferentes setores e indivíduos de várias parte do mundo se juntaram para trazer o seu melhor e concentrar seus esforços para encontrar soluções. Essas informações coletadas de fontes extra setor de saúde, como dados de telecomunicação, estão ajudando aos governantes a tomarem decisões mais informadas. Por se tratar de uma nova doença, quanto mais dados houver, mais precisas serão as previsões de como a pandemia pode ser melhor gerenciada.
Os exemplos de utilização decorrem por todo o ciclo de vida do surto: da previsão, detecção até o tratamento. No final do ano passado, uma startup chamada BlueDot, de Toronto, já havia identificado anomalias em casos respiratórios em Wuhan através do cruzamento de análise de dados de passagens aéreas, avisos do governo e relatórios de saúde. Isso antes da Organização Mundial da Saúde emitir uma declaração alertando para um surto de uma nova doença semelhante à influenza no mesmo local.
No combate ao contágio e triagem em massa, câmeras de detecção equipadas com inteligência artificial fornecem relatórios em tempo real sobre a temperatura corporal de uma pessoa em uma determinada localização. Dados de telefone celular ajudam a identificar onde provavelmente a doença se espalhará e aconselhar a alocação de recursos de acordo com essa informação. A utilização de dados possibilitou que as autoridades da Coreia do Sul entrassem em contato com um usuário caso ele tivesse tido proximidade com um caso positivo.
As fontes de dados são infinitas, bem como os propósitos de uso. A Black Swan, empresa que utiliza dados para antecipar estratégias de negócio, está utilizando Processamento de Linguagem Natural para entender o comportamento humano durante a pandemia. Como estão reagindo aos decretos do governo, se há apoio ou repúdio, como está a saúde mental das pessoas, sobre o que elas estão falando?
Conversas sobre como ter um melhor sistema imune cresceram 560% em março, comparado a fevereiro, no Reino Unido, e o pico sobre estocagem de mantimentos se deu em 02/03. A movimentação em torno de comfort foods se equipara à de suplementos. Claro, a ferramenta de análise de texto também está sendo utilizada para vasculhar estudos científicos em torno da transmissão, incubação, estabilidade ambiental e intervenções médicas para o vírus.
A Harvard Medical School e o Dana Farber Cancer Institute fizeram uma parceria com o Google Cloud para o uso de tecnologias avançadas de analytics e assim acelerar a descoberta de possíveis terapias. Usando uma plataforma de código aberto os pesquisadores conseguem objetificar bilhões de fármacos contra a proteína da COVID-19, em questões de dias. Isso reduz drasticamente o tempo necessário para analisar possíveis tratamentos.
Outra iniciativa que vale destaque é o projeto da Sociedade Americana de Química, que divulgou de forma aberta a sua base de substâncias com potencial antiviral reconhecido para suporte à pesquisa, análise de dados e aplicações de machine learning. As ferramentas e parcerias em desenvolvimento podem ser muito úteis para descobertas futuras. Uma democratização de acesso e conhecimento que antes estava nas mãos de poucas empresas e, agora, é um recurso livre, independente de interesses comerciais.
Espera-se que novas maneiras de coletar, compartilhar e avaliar dados se estendam após a COVID-19. Um dos efeitos desejados do pós pandemia é o entendimento que os setores, sejam eles locais ou globais, precisam estar conectados. Outro é o comprometimento com a infraestrutura de saúde pública e investimento sério em tecnologia para prevenção e planejamento assistencial.