fonte: CFM
A oferta de leitos de Unidade de Terapia intensiva (UTI) em estabelecimentos públicos, conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS), ou particulares aumentou cerca de 45% desde que o Brasil passou a enfrentar a pandemia de Covid-19. Contudo, levantamento divulgado nesta terça-feira (4) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que, como o incremento de quase 20 mil leitos públicos e privados de UTI objetivou o atendimento exclusivo de infectados com o novo coronavírus, o País continua a contar com uma infraestrutura no insuficiente para acolher pacientes com outras doenças.
Em fevereiro deste ano, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) apontava no Brasil a existência de 46 mil unidades de UTI. Metade deles está disponível para o SUS, de brasileiros, e a outra metade é reservada à saúde privada ou suplementar (planos de saúde), que hoje atende a aproximadamente 22% da população. Ao longo de 10 anos – entre junho de 2011 e junho 2020 – esse número aumentou em torno de 38%.
Contudo, por conta da COVID-19 esse processo foi acelerado. De fevereiro a junho de 2020, o total de leitos de UTI disponíveis no Brasil aumentou cerca de 20 mil unidades. Atualmente, o País conta 66,7 mil leitos desse tipo, ou seja, quase 45% a mais do que no início do ano. Contudo, estima-se que, com o fim da pandemia, os novos serviços podem ser desativados, o que fará o Brasil ter que continuar a acolher os pacientes somente com a infraestrutura próxima à que está em funcionamento, mas que não recebe casos de Covid-19.
“Com frequência testemunhamos hospitais com alas vermelhas superlotadas, repletas de pacientes improvisadamente entubados e à espera de infraestrutura apropriada para cuidados intensivos. A gama instrumental de uma UTI, aliada à capacidade da equipe que atua nela, permite que muitas pessoas sejam salvas. Então necessitamos de políticas públicas que facilitem o acesso dos pacientes às unidades de terapia intensiva. As estratégias para enfrentar a COVID-19 mostraram ser possível ampliar a oferta dos serviços. Esperamos que essa oportunidade seja aproveitada pelos gestores para mudar esse cenário de forma definitiva”, ressaltou Mauro Ribeiro, presidente do CFM.
Abaixo do ideal – Pelos dados, sem estes leitos criados nos últimos meses exclusivamente para atender a demanda crescente de infectados, deve permanecer o quadro de desigualdade na distribuição dos leitos de UTIs. Os números do CNES revelam que boa parte dos estados não possui o número de leitos de UTI preconizado em parâmetro referenciado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), que aponta como proporção ideal um índice de 1 a 3 leitos de UTI para cada 10 mil habitantes.
Esse indicador, que era acatado pelo próprio Ministério da Saúde para garantir o bom atendimento de sua população, estava expresso na portaria nº 1.101/2002. Em 2015, essa portaria foi revogada, sendo substituída pela nº 1.631/2015, na qual não há indicadores objetivos. Contudo, o critério ainda continua sendo percebido pelos especialistas como o padrão a ser observado na formulação das políticas públicas e na gestão dos sistemas. Seguindo essa lógica eminentemente técnica, o contexto brasileiro é marcado por desigualdades regionais que afetam o funcionamento das estruturas nos estados, em especial nas regiões Norte e Nordeste.
Distorções – No cenário atual, excluindo-se os leitos de UTI dedicados à COVID-19 da análise – em parte porque não recebem qualquer tipo de paciente, em parte porque são de caráter temporário -, ficam evidentes as distorções ante às normas da. Um total de 14 estados oferece na rede pública uma proporção de leitos de UTI por grupo de 10 mil habitantes que não segue o que recomendam os especialistas em medicina intensiva. Outros quatro estados apresentam indicadores abaixo da média nacional (1,1).
Além dos problemas de cobertura no SUS, os números apontam outro problema grave. Também há desigualdade no acesso aos leitos de UTI disponíveis entre os serviços públicos e privados. Se consideradas os dois segmentos, a quantidade de leitos de UTI representa, em média, no Brasil, atualmente 2,2 leitos para cada grupo de 10 mil habitantes.
Proporcionalmente, no entanto, o SUS conta apenas com 1,1 leito de UTI para cada grupo de 10 mil habitantes, enquanto a rede “não SUS” tem 5 leitos para cada 10 mil beneficiários de planos de saúde. Ou seja, um paciente particular ou de plano de saúde teria cinco vezes mais chances de obter um leito desse tipo do que um que depende exclusivamente da assistência do SUS.
Indicadores – Em 14 unidades da federação, o índice de UTI por habitante na rede pública (SUS) está abaixo do ideal preconizado pelos especialistas em medicina intensiva: todos os estados do Norte (exceto Rondônia), além de Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Neles, os índices variam de 0,44 leito por grupo de 10 mil habitantes (caso do Amapá) a 0,96 (no Rio Grande do Norte)
Outros quatro estados apresentam na rede pública uma razão de leitos de UTI inferior à da média nacional (1,1) nesse segmento. São eles, Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Sergipe. Nesse cenário, Roraima surge como um caso à parte, pois o índice de leitos por 10 mil habitantes permanece abaixo do ideal recomendado pelos especialistas mesmo se houver a soma dos disponíveis em serviços públicos e privados.
Quando se observa as capitais, também é possível ver o desequilíbrio entre a oferta de leitos SUS e “não SUS”. Boa Vista (0,8 leito por 10 mil habitantes) e Macapá (0,74), por exemplo, estão entre as piores capitais no setor público. Por outro lado, ambas estão entre as melhores capitais na proporção leito privado ou suplementar: 7,2 e 7,9, respectivamente.
SUS desigual – O estudo do CFM também chama a atenção para a distribuição geográfica dos leitos. Só o Sudeste concentra 24.621 (52%) das unidades de terapia intensiva de todo o País; 46% do total de leitos públicos e 59% dos privados. Já o Norte tem a menor proporção: apenas 2.489 (5%) de todos os leitos; 6% dos leitos públicos e 4% dos privados.
Os dados revelam ainda que os sete estados da região Norte possuem juntos menos leitos de UTI no SUS do que todo o estado do Rio de Janeiro: 1.500 e 1.703, respectivamente. Enquanto isso, São Paulo possui 24% dos leitos públicos disponíveis no Brasil, o que equivale quase à totalidade dos leitos públicos das regiões Nordeste.
Amapá (AP) e Roraima (RR), por outro lado, possuem juntos somente 72 leitos de UTI no SUS, o que representa 0,3% das unidades públicas do País. Quando comparados aos números do Mato Grosso do Sul (MS), por exemplo, verifica-se que os sul-mato-grossenses têm, em tese, quatro vezes mais leitos SUS à disposição que naqueles dois estados da Região Norte. Ressalta-se que a soma das populações de AP e RR correspondem, aproximadamente, a metade da população do MS.
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