fonte: Folha de SP

Um novo estudo avaliou o impacto de uma demora de quatro semanas no início do tratamento de câncer e estimou que esse atraso eleva em 10% o risco de morte.

O valor é variável de acordo com o tipo de tumor e a terapia indicada, mas os resultados deixam claro como a interrupção dos cuidados médicos contra o câncer durante a pandemia pode levar a um aumento de mortalidade nos próximos meses.

Os dados foram publicados na edição do dia 5 de novembro da revista científica BMJ (British Medical Journal) e são resultado de uma meta-análise (análise dos dados de diversas pesquisas já publicadas) de mais de 1,2 milhão de pacientes com câncer no Canadá e no Reino Unido durante os meses de janeiro a abril de 2020.

Para avaliar qual o verdadeiro impacto do atraso nos tratamentos de câncer durante a pandemia, os pesquisadores avaliaram um conjunto de 34 estudos com 17 tipos de indicações para câncer distinta. Cada indicação representa um conjunto de tipo de câncer e terapia recomendada.

Os tipos de tumor avaliados foram bexiga, mama, cólon (intestino), reto, pulmão, colo do útero (cervical) e cabeça e pescoço. Juntos, esses tipos de tumores representam 44% de toda a incidência global de câncer.

Os diferentes tipos de tratamento analisados incluíam cirurgia (mais indicada para tratamento inicial), radioterapia, quimioterapia e terapia adjuvante (químio, rádio ou imunoterapia administradas antes do tratamento cirúrgico).

Em 13 dos 17 tipos de indicações, os pesquisadores encontraram uma forte correlação entre o atraso no tratamento e o aumento no risco de mortalidade (com intervalo de confiança de 95%).

Na média, um atraso de quatro semanas na cirurgia para remoção de tumores pode aumentar o risco de morte entre 6% (câncer de cabeça e pescoço) a 8% (câncer de mama). Dessa forma, um atraso de oito semanas na cirurgia de câncer de mama eleva o risco de morte em 17%, e de 12 semanas, em até 26%.

Já adiar as terapias apresentou efeitos no risco de mortalidade variados segundo os tipos de câncer. Para câncer de bexiga, de mama e colorretal, a associação entre tempo de atraso no tratamento e risco relativo foi positiva (ou seja, há uma forte correlação entre o tempo de espera e o aumento da mortalidade), variando de 1% a 26%.

No caso da radioterapia para tratamento de câncer de cabeça e pescoço, o risco encontrado foi de 9% para cada quatro semanas de atraso. Não houve resultado de efeito no atraso da radioterapia para tratamento de câncer de mama, uma vez que o único artigo incluído que analisou esse tipo de tratamento não mediu risco de morte.

Para os cânceres de pulmão, bexiga e colo de útero com tratamento adjuvante (associação de quimioterapia e cirurgia), no entanto, não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa.

Timothy Hanna, oncologista do Instituto de Pesquisa em Câncer da Queen’s University (Canadá) e principal autor do estudo, disse à Folha que se impressionou ao ver que os resultados eram consistentes mesmo quando foram avaliados diferentes tipos de tratamentos.

“Eu fiquei surpreso em ver como os números eram claros para demonstrar associação [entre tempo de atraso e risco de morte] mesmo no universo variado de tipos de câncer e de tratamentos. Há diferenças na magnitude desses efeitos, como era esperado, mas os resultados para cirurgia, por exemplo, são consistentes. Isso foi impressionante.”

Os dados do aumento de risco de mortalidade pelo atraso nas cirurgias mostram como pode surgir no futuro próximo um excesso de mortes que poderiam ser evitadas.

De acordo com um estudo incluído na pesquisa, um atraso de 12 semanas na cirurgia de câncer de mama (presumindo que esse seja o tratamento inicial) em todos os pacientes por um ano pode levar a um excesso de 1.400 mortes no Reino Unido, 6.100 nos Estados Unidos, 700 no Canadá e 500 na Austrália.

Hanna explica que a ideia do trabalho veio de uma necessidade de quantificar de maneira rigorosa como o atraso nos tratamentos pode afetar os pacientes de câncer.

“Todo o mundo sabia que a pandemia ia ter um impacto nos tratamentos médicos, não só de câncer, mas não existia um número, uma estimativa global desse impacto. Nós decidimos modelar esse atraso para ajudar também as políticas de saúde nos centros de tratamento. Quais tratamentos podem ser atrasados com menor risco?”

A pesquisa não avaliou, no entanto, o impacto nos exames de rotina e no diagnóstico de câncer, embora outros estudos já tenham demonstrado como a pandemia os afetou.

O oncologista diz que que espera que os seus resultados possam ser utilizados para guiar políticas de saúde pública no mundo.

“Gasta-se no mundo todo muito dinheiro em tratamentos inovadores para câncer que às vezes elevam o tempo de vida em poucos meses. Nossos dados, embora sejam restritos aos sete tipos de câncer avaliados, apontam para um efeito claro entre atraso no tratamento e custo de novas vidas.”

Hanna frisa: “Não estamos sugerindo tratar pacientes que não estejam aptos para tal, mas, sim, dar condições para os centros hospitalares tomarem decisões sobre quais tratamentos e pacientes devem ser priorizados”.

A pesquisa contou com a participação de médicos e especialistas do Instituto de Pesquisa em Câncer da Queen’s University, em Kingston (Canadá), do Departamento de Oncologia Clínica do NHS (Sistema Nacional de Saúde) do Reino Unido, da Universidade King’s College de Londres e da Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical.