fonte: Saúde Business
A pandemia atual acelerou a velocidade e a escala da adoção de tecnologias digitais de uma forma difícil de se imaginar em circunstâncias normais, especialmente em saúde. Podemos citar exemplos como a telemedicina, chatbots, aplicativos de rastreio e monitoramento, e até uso de dados em escala global para previsão de alocação de suprimentos e equipamentos médicos.
Já adiantado com a nova tendência, em novembro de 2019, o parlamento alemão aprovou novas regras de apoio à inovação digital na saúde com o propósito de acelerar o licenciamento de produtos digitais para um mercado de 82 milhões de pessoas no país. A estratégia da Lei de Saúde Digital é estimular o poder inovador do sistema de saúde do país.
A legislação, além de disponibilizar a prescrição de aplicativos médicos com custo coberto pelo seguro saúde público do país, também facilita aos pacientes a realização de visitas médicas virtuais, habilitando os médicos a anunciarem seus serviços em websites. Até janeiro de 2021, todos os pacientes segurados terão acesso a um registro de saúde e prescrições de forma eletrônica.
Os dados anônimos dos pacientes estarão disponíveis para organizações de pesquisa e universidades afim de promover novas descobertas no desenvolvimento de medicamentos,
terapias e soluções avançadas de aprendizado de máquinas. Farmácias e hospitais serão obrigados a se conectar à Infra-estrutura telemática, uma rede de comunicação segura na qual os pacientes possam acessar seus registros eletrônicos de qualquer lugar.
Além disso, a Lei de Saúde Digital reconhece que nem todos dominam o uso de aplicações digitais ou de telemedicina. Portanto, exige que as instituições de seguro de saúde ofereçam serviços que ajudem as pessoas a adquirir as habilidades necessárias. De forma resumida, aproximadamente 90% da população na Alemanha está coberta por um seguro de saúde do Estado, enquanto os 10% restantes por um privado. O seguro saúde na Alemanha é obrigatório. Qualquer pessoa cuja renda anual esteja abaixo de um limite definido por lei deve adquirir um seguro de saúde pelo governo, enquanto que qualquer pessoa que ganhe mais do que isso pode optar por adquirir um seguro privado.
A notícia movimentou o mercado já que a cultura alemã não é tão aberta às tecnologias digitais e à troca de dados. Inclusive, segundo uma pesquisa, 19% dos entrevistados acreditam que questões relacionadas à privacidade e segurança dos dados podem ser um obstáculo para a adoção de produtos de saúde digital.
Historicamente, a saúde digital não tem sido um drive de mudança. Alguns dizem que tem sido a área de investimento mais decepcionante das últimas duas décadas, com pouco retorno para os mais de 30 bilhões de dólares que foram investidos desde 2011. Duas das grandes razões podem ser a recusa dos clientes em pagar por soluções B2C do próprio bolso e a dificuldade em se vender B2B quando os sistemas são tão avessos aos riscos.
Para participarem do Ato Digital, os fornecedores de aplicativos digitais de saúde, que se enquadrem na classe CE 1 e 2 de dispositivos médicos de baixo risco, devem solicitar cadastro ao Instituto Federal de Medicamentos e Dispositivos Médicos (BfArM). É importante ressaltar que as aplicações devem ter a tecnologia como foco e estarem centradas no pacientes e não nos profissionais de saúde.
O BfArM testa os aplicativos quanto à segurança, funcionalidade, qualidade e proteção de dados, por um período de três meses. Se validada, a solução de saúde digital pode ser prescrita por profissionais de saúde. Eles serão pagos pelos serviços que prestam com a ajuda dos aplicativos, tais como consultas remotas, diagnóstico ou monitoramento. Por outro lado, os fornecedores dos aplicativos serão pagos com base no modelo de receita e preço proposto pela solução.
Caso, neste momento, a empresa ainda não tenha comprovado a melhora no resultado do paciente ou a eficiência no cuidado, há um período de 12 meses para a demonstração. Uma vez aprovada, a empresa negocia o preço final e participa do programa em definitivo. A Alemanha prevê um apoio financeiro de 200 milhões de euros por ano até 2024 para ações de inovação e digitalização relacionadas ao Ato Digital.
Em outubro de 2020, foram divulgados os dois primeiros aplicativos a serem validados pelo BfArM. Eles são o aplicativo Kalmeda, que promete ajudar com a lidar com os ruidos incômodos do ambiente através de terapia comportamental, e Velibra, um programa de terapia para distúrbios de ansiedade. Agora, eles terão que demonstrar que o processo de tratamento é efetivo dentro de um ano. A eficácia do Kalmeda, por exemplo, será testada em um estudo com 150 pacientes.
Alguns paciente já utilizam, por conta própria, aplicativos que os ajudam a tomar seus medicamentos regularmente ou a controlar seus níveis de açúcar no sangue, por exemplo. Estudos mostram que apenas 6% dos pacientes já utilizaram aplicações médicas pagas no passado, no entanto, quase 60% usariam essas ferramentas digitais se seu médico as prescrevesse e os custos fossem cobertos pelo pagador.
Com esta lei, as seguradoras de saúde poderão investir em empresas de saúde digitais e promover o desenvolvimento de inovações de uma forma orientada às necessidades do paciente fornecendo financiamento específico para boas ideias e participando de fundos de capital de risco especializados em inovação na saúde. É, em parte, um modelo único em termos de risco, mas significará uma entrada adicional no mercado ou oportunidades de financiamento para empresas de saúde digitais na Alemanha.
A legislação representa uma oportunidade inédita para reembolso em larga escala de aplicações de saúde digital baseadas em evidências. Embora a Alemanha seja um dos maiores mercados de saúde do mundo com gastos anuais de cerca de 374 bilhões de euros, historicamente tem tido um dos níveis mais baixos de digitalização entre os países desenvolvidos. É um passo importante não apenas na modernização do sistema de saúde alemão, mas também na melhoria da qualidade do atendimento aos pacientes e na melhor preparação para futuras pandemias.
Com mais de 11% do PIB destinado à saúde, a Alemanha é de longe o país que mais gasta em saúde na Europa. Os KPIs nacionais, como aumentar a expectativa de vida, permitir mais cuidados ambulatoriais e comunitários, e tornar a assistência médica menos onerosa, entretanto, não correspondem a estes altos níveis de investimento. O denominador comum entre os países que possuem bons resultados nestes KPIs são os níveis avançados de digitalização e integração dos sistemas nacionais de saúde, além de cuidados focados na atenção primária e não em hospitais.
Ainda que com toda a estruturação legislativa e o discurso de apoio à transformação digital, pontos como a eficiência do BfArM em aprovar novas aplicações, o gerenciamento financeiro do ecossistema de soluções digitais, e os canais de conscientização dos pacientes e profissionais da saúde sobre utilização/resultados das aplicações ainda precisam ser melhor observados.