fonte: Folha de SP
por Daniela Rorato, empreendedora social.
Este domingo (28) marca o Dia Mundial das Doenças Raras. Mais de 13 milhões de brasileiros possuem um diagnóstico considerado raro: doenças progressivas ou degenerativas, com sintomas crônicos e sem cura, que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos; ou seja, 1,3 para cada 2.000 pessoas.
Esse recorte da população sente na pele a invisibilidade de viver em um país onde as políticas de atenção integral para doenças raras não saem do papel e a busca por tratamento diante da escassez de recursos promove um estresse extra para quem já tem um diagnóstico difícil.
A dificuldade começa pela complexidade: mais de 8.000 patologias raras catalogadas e a renovação constante da literatura médica limitam o número de especialistas. São cerca de 300 milhões de raros no mundo e cada um com sintomas particulares, exigindo acompanhamento especializado contínuo.
Apenas em 2014 foi instituída no Brasil a política nacional de atenção integral às pessoas com doenças raras, que traçou diretrizes no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e instituiu incentivos financeiros de custeio. Chamada de Portaria 199, na verdade, ela nunca saiu do papel e a prova disso é existir menos de uma dezena de centros especializados no Brasil.
A maior dificuldade é obter um diagnóstico. O acesso ao tratamento esbarra com a insuficiência de médicos especializados, como geneticistas e neuropediatras, gerando uma fila imensa para consulta e exames de alta complexidade. A inexistência de protocolos clínicos e remédios de alto custo são fatores de um sistema que coloca para peregrinar quem necessita de tratamento multidisciplinar especializado. Além disso, 75% dos diagnósticos são em crianças, e a expectativa de vida de 30% é até a primeira infância. Daí encontramos a figura do cuidador —geralmente, a mãe.
O Brasil tem 5,5 milhões de crianças sem nome do pai no registro de identidade e a irresponsabilidade social paternal produz uma triste estatística: o abandono ocorre em mais de 70% dos casos quando nasce um filho com deficiência ou doença rara. Este filho é cuidado pela mãe solo, que tem sua vida impactada pela verdadeira via-crúcis em busca do tratamento.
Essa equação social é bem simples: se a mãe não pode pagar um cuidador, é cuidadora 24 horas por dia, o que significa deixar o trabalho e a vida social. Não vemos discussões acaloradas sobre a saúde mental ou a “solidão da mãe rara”. Sua dor parece invisível num país que não lhe provê benefícios previdenciários ou políticas interssetoriais. A condição de cuidador sequer é reconhecida.
Muitas dessas famílias vivem a angústia de ver a chegada das tecnologias de tratamento e não ter acesso a elas. Robótica, aplicações de alto custo, que podem chegar a R$ 3 milhões, como no caso do tratamento para AME, entre outros. Isso é uma agressão psicológica, que causa depressão, ansiedade e exaustão, principalmente quando se recorre à judicialização burocrática e morosa. Alguns têm viralizado “vaquinhas” na internet, com a esperança do tratamento que já existe, está ali, mas não ao alcance.
Eu sou uma dessas 13 milhões de mães raras. Faz tempo que passei a me inquietar sobre todas essas dificuldades e a perceber a barreira mais dura de todas: a discriminação estrutural e capacitista, que inclui seletivamente quem tem recursos ou se empodera na internet.
Quem sabe o ativismo politicamente correto que invade a internet contribua, de alguma forma, para dar pertencimento às pessoas com doenças raras e suas famílias. Criando um ambiente mais inclusivo, onde lutas sejam acolhidas e o humano valorizado, sem olhares piedosos ou menos ainda sendo objeto de inspiração para a catarse alheia.
A mensagem nesta data ainda é de alteridade. Uma consciência coletiva de que a doença rara pode acometer qualquer um, em qualquer momento da vida.