fonte: SaúdeBusiness

Em janeiro de 2022, o Reino Unido expandiu seu sistema de compartilhamento de imagens médicas para mais 500 instituições do país. O Sectra Image Exchange Portal, ou IEPcompartilha cerca de 47 milhões de imagens por semana, incluindo radiografias, ultrassons, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, exames PET e outras imagens de diagnóstico. Instalado em nuvem e operacional desde 2009, o IEP é o maior sistema do gênero no mundo, sendo que 50% de todas as instituições ligadas ao NHS já o utilizam. Ele substitui o compartilhamento de imagens médicas usando mídia óptica, ou transferência de pesados arquivos, ou mesmo a necessidade de imprimi-las em acetado (que leva 100 anos ou mais para se decompor na natureza, além das substâncias químicas necessárias para o tratamento da chapa).

“Gerenciar efetivamente a jornada do paciente por meio de imagens teria sido quase impossível sem o IEP, que nos permite obter rapidamente as imagens dos provedores e disponibilizá-las aos nossos profissionais de saúde”, explica Susan De Four, administradora de sistemas do Chelsea and Westminster Hospital NHS Foundation Trust, um dos primeiros hospitais a utilizar o sistema há quase uma década.

Outras organizações aderiram à rede, incluindo provedores de telerradiologia, hospitais privados e organizações que se concentram em diagnósticos utilizando IA.

Um dos usuários mais recentes, a Innersight Labs, é uma plataforma de planejamento cirúrgico especializada na criação de modelos 3D para suporte aos cirurgiões do NHS. Ela é capaz de acessar imagens de tomografia computadorizada e ressonância magnética do IEP para criar modelos virtuais voltados à tomada de decisão cirúrgica.

“Ainda não encontrei um hospital que não use o IEP, o que é uma ‘flecha’ importante em nossa ‘aljava, ajudando a nos conectar com pessoas que precisam de suas imagens de forma rápida e segura. Mesmo que um hospital não tenha trabalhado conosco antes, ou que ainda não tenha uma integração direta com nossa plataforma, temos no IEP uma forma segura de compartilhamento que ajuda as equipes de governança das informações em PACS”, explica o Dr. Eoin Hyde, cofundador do Innersight Labs.

Da mesma forma, o IEP disponibiliza acesso online aos pacientes. O “IEP-Anyone” é uma extensão da rede que permite aos cidadãos de todo o país acessar seus arquivos de imagem, independente do lugar do mundo em que estejam. O acesso é rápido, realizado por meio de um login seguro (celular, tablet ou desktop), permitindo que todo cidadão britânico possa compartilhar suas imagens com médicos de qualquer região do planeta.

“Ajudamos centenas de pacientes nos meses pandêmicos, como, por exemplo, os que estão nas forças armadas britânicas em diferentes partes do mundo, ou um paciente viajando para o exterior para tratamento quimioterápico, e muitos outros casos de pessoas que precisam das imagens médicas para obter segundas opiniões, tratamento especializado, ou simplesmente porque querem vê-las”, explica Annie Pinfold, PACS Senior Consultant da Oxford University Hospitals NHS Foundation Trust. 

Desde que o GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados) entrou em vigor no Reino Unido, os pacientes se sentem mais seguros em autorizar acesso as suas imagens médicas disponíveis no IEP. A antiga prática de obter dados imagiológicos por meio de CDs, Tokens, PenDrive, ou mesmo impressos, está desaparecendo: dois terços dos pacientes britânicos que solicitam suas imagens o fazem por meio do IEP-Anyone. 

Da mesma forma, hospitais que usam a rede IEP estão economizando tempo e dinheiro: da solicitação a entrega de um CD de imagens, leva cerca de 20 minutos do tempo da equipe, e quase US$ 12 em custo de produção e postagem. Hoje, via IEP, todo o processo não passa de 5 minutos, custando centavos. O IEP Anyone é um passo decisivo para capacitar os pacientes e apoiá-los no contexto de autocuidado, ao mesmo tempo em que ajuda o sistema a reduzir a carga de trabalho do NHS. Em nuvem a confidencialidade pode ser melhor protegida e os pacientes passam a ter mais controle sobre quem acessa as suas informações. Sempre é bom lembrar que na era dos NFTs (non-fungible token) uma imagem médica digitalizada pode ter valor venal e ser comercializada milhares de vezes (um proeminente cirurgião francês tentou vender via NFT um raio-X tirado de seu ex-paciente, sobrevivente do ataque terrorista de novembro de 2015 na sala Bataclan, em Paris, por US$ 2.776).

Nos sistemas em rede, principalmente aqueles voltados à saúde, a ética (bioética) é uma questão central, principalmente porque as organizações comerciais ou públicas precisam cada vez mais produzir data-handling para melhorar a forma como trabalham e personalizam os serviços para cidadãos e consumidores.

No Reino Unido, a “ethical attention” corre nas artérias das sociedades protetoras de dados médicos (são décadas de experiências positivas e negativas de mal uso dos dados). Pesquisa publicada em 2019 pelo Open Data Institute (ODI) e YouGov mostrou que a maioria dos britânicos confia no NHS para usar seus dados de forma ética (59%), sendo o único tipo de Organização em que a maioria dos entrevistados soma ‘mais de 50% de confiança’ (governo central, 30%; governo local, 31%; bancos e empresas de construção, 42%; fornecedores de serviços públicos, 18%; família e amigos, 34%; e organizações de mídia social5%). 

Quanto mais a população sabe que suas imagens médicas podem ser acessadas por prestadores de serviço de todo o país, maior é o nível de vigilância nas operações do Image Exchange Portal (IEP). Nesse sentido, quando o serviço completou uma década, a pesquisa do ODI mostrou que 44% dos britânicos acham que o NHS deve continuar a ser a “maior garantidora de que seus dados médicos sejam tratados de forma ética”. É um luxo a confiança depositada no NHS, o que obriga o sistema a cada vez mais alocar inúmeras camadas de proteção digital ao IEP.

Embora não divulgue os resultados com a frequência que deveria, o SUS caminha com muito mais empenho e esforço para estabelecer parâmetros de informação médica em rede. A RNDS (Rede Nacional de Saúde), um OpenHealth ainda embrionário, ganhou força com a Covid-19. Seu principal instrumento para a rede primária, o aplicativo Conecte SUS Cidadão, recebeu em 2021 (1) mais de 33 milhões de resultados de testes-Covid-19 (de 153 diferentes laboratórios); (2) perto de 350 milhões de registros de vacinação; (3) mais de 26 milhões de autorizações para internação hospitalar; sem falar (4) nos milhões de “passaportes vacinais”. Mesmo com todos os problemas operacionais, o Conecte SUS e a RNDS são ferramentas que operam em rede nacional e são sucessos se considerarmos que nasceram a menos de três anos. Possuem plano (“Estratégia de Saúde Digital para o Brasil – 2020 – 2028”), estratégia, alguma meta (“espera-se que o Programa Conecte SUS e a RNDS estejam conectados às 27 unidades federativas até 2023”) e até um projeto piloto (Alagoas).

É cedo para comemorar, mas como acontece no Reino Unido (NHS), parece que o DATASUS assume definitivamente a liderança das ações para impor regras de interoperabilidade na saúde nacional. O Projeto de Lei (PL) 3.814/2020, que obriga o SUS a criar uma plataforma digital para unificar informações dos pacientes (rede pública e suplementar), foi aprovado no Senado e entrou em discussão em outubro de 2021 na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados. O Conecte SUS já está apto a ser acessado por mais de 15 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), faltando operacionalizar outras 27 mil. A plataforma digital Conecte SUS Profissional, lançada em julho de 2021, possibilitará que médicos acessem de qualquer lugar do país o histórico clínico dos pacientes, incluindo futuramente as suas imagens médicas (PACS). Temos um longo caminho a percorrer, mas o Datasus tem direção.