fonte: Folha de SP
Depois de socorrer uma jovem de 19 anos com hemorragia pós aborto, o médico que a atendeu decidiu chamar a polícia. A mulher chegou ao Hospital de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) na manhã de segunda (16) e, à tarde, saiu de lá presa.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) apura o caso. Para o órgão, o médico violou o sigilo médico.
O delegado Aloizio Pires de Araújo diz que a jovem foi autuada em flagrante e liberada após pagar R$ 1.000 de fiança. Se condenada, poderá ficar até três anos na prisão.
“Também está sujeita a penas alternativas, mas vai ter a ficha marcada a vida inteira.”
O aborto é crime no Brasil, exceto em casos previstos em lei, como risco à vida da mãe.
Foi a própria jovem quem, no quarta mês de gestação, provocou o aborto, na casa de uma amiga. Tomou quatro comprimidos de Cytotec, remédio para úlcera usado como abortivo que pode causar a perda do útero e até a morte. “Comecei a passar mal”, disse à Folha a jovem, que pediu para não ser identificada.
“Avisei meu parceiro da gravidez, mas ele não quis saber. Não tinha condições de ter um filho sozinha.”
Ela diz que foi chamada de “otária” por policiais. “E o médico disse que Deus me perdoaria”.
No hospital, Mahmud Daoud Mourad, clínico geral e pediatra, disse à Folha, após inicialmente negar ter atendido a jovem, ter sido “obrigado por lei a denunciar”.
O Cremesp entende que ele violou o artigo 73 do Código de Ética Médica, que estabelece normas de sigilo profissional.
O conselho cita ainda o parecer 24.292, de 2000, que estabelece normas de conduta específicas para o caso: “Diante de um abortamento (..) não pode o médico comunicar o fato à autoridade policial ou mesmo judicial, em razão de estar diante de uma situação de segredo médico”.
“O que esse médico fez, se fez, foi uma excrecência”, afirma Antonio Pereira, conselheiro do órgão. “Não se pode prender uma pessoa que te pediu ajuda.”
O conselho abrirá sindicância para apurar a conduta do médico, que poderá ter seu registro cassado.
Também o Ministério da Saúde possui norma técnica que preza pelo “atendimento humanizado em situação de abortamento” com “privacidade e confidencialidade das informações”.
A defensora pública Juliana Garcia Belloque, que atua com situações similares, explica que inquéritos por aborto no Brasil são raros, mas, dos pouco existentes, a maioria é denunciada por médicos.
“A lei não prevê que o médico reporte à polícia. Só no caso de prevenção de crime, não como repressão a um crime já ocorrido.”