fonte: O Dia

A cada 24 horas, quatro leitos de internação do Sistema Único de Saúde (SUS) são fechados nos hospitais fluminenses. Como um doente que luta entre a vida e a morte numa UTI, a saúde pública no Rio de Janeiro sobrevive aos trancos e barrancos. Nos últimos cinco anos, o estado perdeu 6.430 vagas destinadas a pacientes que precisam permanecer no hospital por mais de um dia. Psiquiatria, pediatria, obstetrícia e cirurgia foram as especialidades mais afetadas.

A denúncia é do Conselho Federal de Medicina (CFM), com base nos dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes), do Ministério da Saúde. O órgão afirma que, em todo o país, foram desativados 15 mil leitos de internação de julho de 2010 a fevereiro deste ano. De todos os estados, o Rio foi o que mais perdeu vagas. Foram extintas quase 20% das vagas disponíveis há cinco anos (32.536).

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A Secretaria Estadual de Saúde alega que a redução, de dezembro de 2010 a fevereiro de 2015, ocorreu nos leitos privados conveniados ao SUS, que, segundo o órgão, tiveram queda de 35,39%. Na rede estadual de Saúde do Rio, a secretaria afirma que houve aumento de 6% nos leitos no mesmo período.

À espera de uma cirurgia na vesícula, a mãe da cuidadora Karina Lima, de 29 anos, foi atendida na emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, que funciona em contêineres. “Ela ficou cheia de dores numa cadeira até um leito desocupar”, desabafa.

Para o diretor do CFM, Sidnei Ferreira, a insuficiência de leitos para internação ou realização de cirurgias é um dos fatores que aumenta o tempo de permanência dos pacientes nas emergências. “A superlotação aumenta os casos de morte e de sequelas”, diz Ferreira.

Segundo ele, a falta de investimentos em insumos hospitalares e em equipes médicas especializadas levou à desativação de importantes Unidades de Tratamento Intensivo no município do Rio. “No Hospital Municipal Souza Aguiar, por exemplo, a prefeitura fechou a UTI pediátrica. Lá chegam crianças com politraumatismo, baleadas, envenenadas e ficam à espera de vagas. Para elas, o risco de morte é iminente”, denuncia o diretor do CFM, lembrando que existe déficit de 150 leitos em UTIs pediátricas e adultas no município.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a previsão é reabrir o serviço em maio, após as obras na unidade. Os leitos, segundo a SMS, foram transferidos para o Hospital Municipal Jesus. Nos últimos anos, unidades de referência, como o Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, no Caju, fecharam as portas. Uma placa na entrada do imóvel informa que ele será demolido.

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Referência em doenças infectocontagiosas, o Instituto São Sebastião virou abrigo para moradores de rua

Foto:  João Laet / Agência O Dia

Defensoria exige medidas urgentes

O ‘estado terminal’ da saúde pública no Rio levou a Defensoria Pública da União a mover três ações civis contra estado, prefeitura e governo federal, para exigir medidas urgentes em seis hospitais federais: Andaraí, Ipanema, Lagoa, Bonsucesso, dos Servidores e Cardoso Fontes. Nestas unidades, há 15.851 pacientes que aguardam cirurgias por até dez anos.

“No Rio, não existe cultura do concurso público nos hospitais, enquanto pacientes se desesperam em filas para se manterem vivos”, critica o defensor público federal Daniel Macedo. Ele constatou o aumento na procura por hospitais de grande porte como o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), em São Cristóvão, onde 15.300 pessoas precisam ser operadas, sendo que 63% são idosos e mais da metade está cadastrada há pelo menos um ano.

Com a falta de vagas, internações sobrecarregam UPAs

Criadas para dar o primeiro atendimento e desafogar as emergências, as UPAS enfrentam lotação de pacientes internados à espera de um leito nos hospitais, segundo vistoria feita pelo Conselho Regional de Medicina. “Encontramos pacientes que estavam há duas semanas aguardando transferência”, afirma Nelson Nahon, vice-presidente do Cremerj.

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde do Rio, desde 2009, mais de cem unidades de saúde foram inauguradas. A rede municipal tem 5.011 leitos, dos quais 1.141 foram abertos na atual gestão com a inauguração de novas unidades, como os hospitais municipais Evandro Freire, na Ilha do Governador, e Pedro II, em Santa Cruz, além de três maternidades (Hospital da Mulher Mariska Ribeiro, Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda e Maternidade do Pedro II). “Não supre o que foi fechado. A carência é muito grande”, adverte Nahon.

Queda no investimento agrava a crise

O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Darze, lamenta a situação do estado. “Enquanto São Paulo tem dois hospitais especializados em doenças infectocontagiosas, o Rio perdeu o único que tinha, com 250 leitos”, denuncia Darze.

O governo do estado informa que a rede fluminense é composta por mais de 70 unidades de saúde, incluindo UPAs, hospitais, institutos, postos e outras instalações como Rio Imagem e Rio Farmes. A secretaria ressalta que, desde 2009, foram criadas 22 novas unidades e serviços de Saúde, entre eles o Rio Imagem e o Hospital Estadual da Criança, em Vila Valqueire.

Segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina, por dia, R$ 25 milhões deixaram de ser aplicados na Saúde em todo o país. O montante chega a quase R$ 10 bilhões em 2014. Mais da metade dos recursos deveria ter sido usada em obras e compra de equipamentos nos hospitais públicos. O Ministério da Saúde informou que só irá se pronunciar sobre o assunto na terça-feira.