fonte: O Globo
Há um mês, a secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, Lumena Furtado, visitou o Instituto Nacional do Câncer (Inca) na Praça da Cruz Vermelha, no Centro do Rio. Percorreu algumas unidades, ouviu explicações e, antes de sair, chamou o diretor-geral, Luiz Antônio Santini, num canto para comunicar que ele estava demitido. A decisão foi recebida no instituto como a gota d’água de um processo de esvaziamento que está retirando do Inca a liderança das políticas de Saúde em câncer, para reduzi-lo a um mero hospital de assistência.
Desde a visita da secretária, um clima de tensão tomou conta da Praça da Cruz Vermelha. As desconfianças provocadas pela saída de Santini, após dez anos no comando do Inca, foram reforçadas pela divulgação do plano orçamentário anual do Ministério da Saúde, que excluiu o Inca das ações nacionais. Entre elas, a campanha de redução do tabagismo, da qual o instituto é pioneiro. Os recursos foram limitados a uma única ação de manutenção dos serviços.
Nomeado em 1995 pelo então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, Santini gostava de dizer que sempre entrou no Inca “como se fosse a primeira vez, pela alegria de iniciar mais uma jornada”. Saiu como se fosse a última, “pela certeza do dever cumprido”. Ao cruzar pela última vez a porta do instituto com o diretor, no dia 13 de maio, levou mais incertezas do que convicções. Pare ele, é um erro diminuir o protagonismo do Inca, transferindo as ações contra o câncer para um departamento do Ministério da Saúde, em Brasília:
— Estão descartando 78 anos de experiência do Inca como se o câncer, segunda maior causa de morte do país, pudesse ser tratado como mais uma doença.
TABAGISMO DESPENCOU
Um dos orgulhos da equipe foi a campanha antitabagista lançada nos anos 1990. Encabeçada pelo Inca, fez a taxa de fumantes do país despencar de 36% da população, em 1989, para 12% no ano passado.
O esvaziamento teria começado há cerca de um ano, quando o Inca perdeu assento no colegiado gestor do Ministério da Saúde, órgão informal que define as políticas do setor e as prioridades, entre as quais as ações contra o tabagismo, câncer de mama e câncer de colo do útero. O papel do instituto foi assumido pelo Departamento de Atenção Especializada e Temática da Secretaria de Atenção à Saúde (SAS). Desde que o atual ministro, Arthur Chioro, assumiu o cargo em abril do ano passado, o diretor-geral só foi recebido uma única vez.
— O Inca não pode ficar resumido à estrutura do SUS para dar assistência. Ele é muito mais do que isso: pesquisa, formação de pessoal, inovação. Quem sabe mais do que o Inca para definir políticas de saúde em câncer? Vejo com preocupação essa sensação de esvaziamento, de caça às bruxas — lamentou o diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Gustavo Schwartsmann.
Outro sinal de limitação da atuação do Inca foi a perda da gestão de um dos maiores programas de formação em radioterapia do mundo. Batizado de “Expand”, nasceu no Inca e agora está entregue a Brasília. Professores do instituto lamentam que, para enfrentar o déficit de radioterapia para o SUS, Chioro tenha desprezado a única instituição a formar radiologistas no Brasil — este curso demora 1.940 horas, habilitando apenas 12 profissionais por ano.
O instituto já vinha enfrentando um desgaste com o ministério em razão da parceria com a Fundação Ary Frauzino, entidade sem fins lucrativos criada em 1991 para apoiar suas ações. Durante os últimos anos, a fundação passou a contratar empregados para trabalhar no Inca, preenchendo as necessidades mais urgentes, num modelo de financiamento questionado pelo Ministério Público Federal e por setores do governo. O convênio com a fundação termina no dia 31 de agosto e são claros os sinais de que o governo não irá renová-lo.
— Não sou contra os concursados, mas a gestão do Inca exige um modelo próprio. Funciona assim em qualquer lugar do mundo. Os programas estão sendo transferidos para Brasília, para serem geridos de um gabinete isolado. Não é assim que vamos enfrentar a doença — lamenta o presidente da fundação, Marcos Moraes.
A redução do Inca ao atendimento hospitalar é um paradoxo para a sua equipe, pois alcança o instituto no momento em que desenvolve programas destinados a desconcentrar a rede de atendimento. Um dos desafios está expresso nos arredores do instituto, cujas ruas ficam amontoadas de furgões num diário leva e traz de pacientes — alguns deles, submetidos a radioterapia, precisam se deslocar diariamente de cidades do interior, em viagens penosas.
O novo diretor do Inca, Paulo Eduardo Xavier de Mendonça, considerado um médico estranho aos quadros do Inca, até agora não chamou nenhum chefe de equipe para conversar. Embora a questão não seja discutida abertamente, estes chefes chegaram a um consenso se o quadro se agravar: pedirão demissão coletiva.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde divulgou nota para informar que “a troca ocorrida na gestão do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) faz parte da rotina administrativa dos três institutos vinculados ao Ministério da Saúde e não acarretará em nenhum prejuízo aos atendimentos e serviços oferecidos pelo Instituto”.
PASTA DIZ MANTER RECURSOS
Para o Inca, o Ministério da Saúde comunicou que tem garantido “orçamento estável e crescente”, com o registro de crescimento de 117% entre 2004 e 2014, passando de R$ 194,5 milhões para R$ 422,1 milhões no período. Entre 2010 e 2014, diz a nota, o crescimento foi de 32%: “Cabe esclarecer que o Inca é uma unidade administrativa vinculada à pasta e, portanto, possui orçamento próprio, além dos repasses de custeio do atendimento e do investimento”.