fonte: Estadão
EDITORIAL
É da maior gravidade a decisão anunciada pelo novo diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), José Carlos de Souza Abrahão, de fazer o que chama de “integração” do setor de saúde privada – leia-se planos de saúde – com o Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira ação concreta nesse sentido é a utilização da lista de tratamentos e medicamentos do SUS como um dos principais critérios para definir o que os planos devem oferecer a seus usuários. Como isso vai acarretar a exclusão de itens caros das obrigações dos planos, fica evidente a intenção de favorecê-los, sabe-se lá com que propósito, o que é inaceitável. Trata-se de uma inversão de papéis, pois a função da ANS é antes buscar soluções que melhor convenham à outra parte, a dos que pagam pelo serviço da saúde privada.
Pela primeira vez a ANS pretende excluir das obrigações dos planos o fornecimento de um medicamento contra câncer com base em decisão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) de não colocá-lo na lista desse sistema. É o quimioterápico oral everolimus, indicado para o câncer de mama com metástase. Observe-se que cada caixa desse remédio, suficiente para um mês de tratamento, custa R$ 13 mil, uma despesa da qual os planos se verão livres, para desespero de quem precisa do tratamento. Como disse um deles, ouvido pela reportagem do Estado: “No meu caso, retirar o remédio da cobertura do plano significa uma condenação”.
Segundo Souza Abrahão, “as avaliações da Conitec são parâmetros tanto para a inclusão quanto para a exclusão” de medicamentos. Esse processo, que começou com aquele quimioterápico, vai portanto continuar. Aliás, a gerente-geral de Regulação Assistencial da ANS, Raquel Lisboa, já anunciou que outras modificações na lista dos planos estão em estudo. Em algum momento, que não parece distante, as listas de medicamentos e tratamentos do SUS e dos planos deverão se igualar. “Temos várias ações na saúde suplementar (os planos) que muitas vezes se sobrepõem às ações do SUS. Então, a integração dos dois sistemas é fundamental”, diz o novo diretor-presidente da ANS, deixando bem clara qual é a sua política para o setor.
Se os dois vão oferecer a mesma coisa, por que pagar pelos planos? Seria melhor então abandoná-los e ficar com o SUS, o que evidentemente agravaria a superlotação do sistema. É o que deseja a ANS? Mas isso dificilmente aconteceria. Pela boa razão de que, além de medicamentos e tratamento, os planos oferecem atendimento hospitalar, que permite a seus aderentes escapar da notória precariedade dos hospitais públicos. Assim, só quem ganha com a nova posição adotada pela ANS são os planos, que terão considerável redução de despesa, em prejuízo de seus clientes.
É compreensível, diante disso, a reação de entidades médicas e de defesa dos consumidores. O presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Florisval Meinão, condenou a nova postura da ANS em termos duros: “Trata-se de um retrocesso para os usuários dos planos de saúde e um insulto aos cidadãos brasileiros. Em vez de buscar um padrão mais elevado para os tratamentos na área pública, os gestores resolvem nivelar a assistência por baixo, em detrimento do nosso bem-estar e da nossa qualidade de vida”. Posição semelhante foi adotada pela presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz: “Se a agência começar a se basear na lista da Conitec (do SUS), ela estará nivelando por baixo. É um absurdo”.
Tão grave quanto esse nivelamento por baixo é a possibilidade de captura da ANS pelos planos de saúde que tal política sugere, pois tudo indica que serão eles os grandes beneficiários dessa reviravolta no comportamento do órgão. Tal desvirtuamento de uma agência reguladora é inadmissível, e por isso as autoridades federais que têm responsabilidade no caso não podem se omitir. Até porque, se isso é tolerado numa agência – e logo na que cuida da saúde –, todas as demais correm o mesmo risco