fonte: Folha de SP
A menos de um ano do fim do prazo de participação dos primeiros profissionais do Mais Médicos, o governo já estuda como fazer a substituição de até 30% dos integrantes do programa, que é uma das principais bandeiras da gestão Dilma Rousseff.
Uma das propostas em análise prevê remanejamento de médicos estrangeiros no país para “áreas de maior dificuldade”, o que poderia gerar vagas mais “atrativas” para candidatos brasileiros.
A informação consta de apresentação feita a gestores estaduais e municipais de saúde sobre os números atuais e os planos do programa, à qual a Folha teve acesso.
Lançado em 2013, o programa prevê a participação dos médicos por três anos. Com o fim desse período, o governo poderá trocar até 5.422 vagas de médicos dos dois primeiros ciclos de inscrição.
Cubanos são a maioria e vieram por meio de acordo com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde).
Pelas regras do Mais Médicos, profissionais sem diploma revalidado só podem atuar nas unidades básicas de saúde vinculadas ao programa “nos primeiros três anos”, como “intercambistas”.
A renovação por igual período só pode ser feita caso esses profissionais tenham o diploma revalidado e o aval de gestores nos municípios.
De acordo com o cronograma do Mais Médicos, o prazo do contrato da primeira leva de profissionais vence em agosto do próximo ano; os seguintes vencem em outubro de 2016 e em janeiro de 2017.
Hoje, 18.240 médicos atuam no programa. Desses, 11.429 são cubanos e 1.537 são brasileiros formados no exterior e estrangeiros de outras nacionalidades.
Para evitar desabastecimento, o Ministério da Saúde já discute lançar um “super edital” em 2016. O remanejamento dos cubanos remanescentes para áreas mais difíceis, assim, é estudado como alternativa, caso as vagas não sejam preenchidas.
A possibilidade de saída de médicos com o fim do prazo já gera preocupação nos municípios. “Até então, a gente tinha dificuldade de completar. Não era questão de salário, não tinha médico na região mesmo. Vamos voltar à estaca zero”, diz o secretário de Saúde de Caetés (PE), Nivaldo da Silva Martins.
Há quem defenda alterar a lei para que médicos formados no exterior e sem diploma revalidado possam renovar o contrato e atuar por mais tempo no país.
“Seria mais fácil e mais lógico para evitar rupturas [com a comunidade atendida]”, diz Márcia Pinheiro, assessora técnica do Conasems, conselho que reúne secretários municipais de saúde.
Para ela, a falta de diploma não prejudica o atendimento. “São médicos, muitos especializados. E a maneira como eles trabalham é muito mais próxima [do paciente].”
A situação também gera novas críticas de entidades contrárias ao programa.
AÇÃO EMERGENCIAL
Para o diretor da AMB (Associação Médica Brasileira) José Bonamigo, o governo não adotou medidas efetivas para fixar os médicos no interior do país, cenário que justificou a ação “emergencial” em 2013.
“Fora a expansão de escolas médicas, não teve nenhuma ação concreta ou uma estratégia que suprisse os municípios”, afirma ele, que também critica a qualidade das novas escolas.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que as propostas para a reposição dos profissionais ainda “estão em discussão”, precisam ser pactuadas com demais gestores do SUS e poderão sofrer alterações.
A pasta diz ainda que as medidas foram apresentadas para “conhecimento e contribuição” dos secretários de saúde. O ministério informa que “tem garantido a presença de médicos nos municípios participantes, priorizando a continuidade da assistência”.
MAIS UM ANO
Um dos primeiros médicos estrangeiros a desembarcar no Brasil para o Mais Médicos, o cubano Nelson Cabrera, 50, diz ter levado um susto ao chegar ao município onde ficaria por três anos.
Alocado para atuar na zona rural de Cabrobó, no sertão pernambucano, encontrou comunidades sem postos de saúde ou médico fixo e com falta de remédios.
Dois anos depois, já adaptado e com parte desses problemas resolvidos, diz que gostaria de permanecer no programa –mesmo sem ter diploma revalidado no Brasil.
“A minha vontade é continuar o contrato por um ano a mais. Mas ainda não tem nada escrito que diga que posso ficar”, afirma o médico, que é especialista em medicina da família e comunidade e atuava em Cuba em programa de cuidado do câncer.
Há poucos meses, antes de uma viagem, avisou aos pacientes que iria à ilha por problemas de saúde na família e poderia não voltar ao Brasil.
“Eles se reuniram nas igrejas e disseram que estavam orando para que eu voltasse”, conta, entre risos.
A permanência no Brasil, porém, não é consenso entre os cubanos. Entre os impasses está a variação cambial –segundo Cabrera, isso têm efeito sobre o dinheiro que muitos enviam à família, pois a quantia diminui. Também há aqueles que decidem atuar em outros países, diz.
DIPLOMA REVALIDADO
Quem revalidou o diploma também pode ter motivos para deixar o programa. Com o registro do conselho regional de medicina, é possível dar plantões e atuar em clínicas particulares.
No ano passado, 1.999 candidatos fizeram o Revalida, exame federal de revalidação do diploma realizado pelo Inep, do Ministério da Educação –32,6% foram aprovados.
“A experiência do programa é ótima e a receptividade da população é muito grande. Mas quero fazer residência e a especialização é em tempo integral”, diz Rogério de Amorim Oliveira, 34.
Formado na Universidad Adventista del Plata, na Argentina, o brasileiro ingressou no programa em 2013 e foi alocado em Altamira (PA).
No mesmo ano, fez o Revalida, mas não foi aprovado. Em 2014, tentou novamente e passou nos exames. Agora, pretende tentar uma especialização em anestesiologia.