fonte: Estadão
Embora o número de vagas de residência no País seja menor do que o número de estudantes que se formam em Medicina todos os anos, somente 54% dos novos postos abertos entre 2014 e 2015 no País foram preenchidos, segundo dados do Ministério da Educação.
O cálculo foi feito com base nas taxas de ocupação de programas de residência de dez das principais especialidades médicas. Juntas, cirurgia geral, dermatologia, cardiologia, ortopedia, ginecologia e obstetrícia, urologia, pediatria, medicina da família e comunidade, cancerologia e radiologia tiveram 24.254 vagas de residência criadas entre o ano passado e este ano, o equivalente a um terço de todos os postos do País. Desse número, apenas 13.194 vagas foram ocupadas.
O MEC não informou a taxa de ocupação de todos os programas de residência existentes no País, mas, segundo a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), mesmo quando consideradas todas as especialidades, a taxa se mantém em torno de 55%. “Uma série de fatores contribui para essa alta taxa de ociosidade. Um deles é a baixa qualidade de alguns programas de residência, o que afasta os médicos. O governo quis ampliar o número de vagas, mas se preocupou mais com quantidade do que com qualidade”, diz Arthur Danila, presidente da ANMR, citando a lei do programa Mais Médicos, que prevê a criação de 12 mil vagas de residência até 2018.
Outra razão para a ociosidade é a baixa procura dos recém-formados por programas de residência de algumas especialidades. De acordo com Vinicius Ximenes Muricy da Rocha, diretor de Desenvolvimento da Educação em Saúde do MEC, a lógica predominante no mercado de trabalho médico é a de pagamento por procedimento, o que torna menos atraentes carreiras com base quase que exclusivamente na prática clínica, como pediatria e medicina da família.
“Isso faz com que tenhamos especialidades com alta procura, como dermatologia, ortopedia e anestesiologia, e outras que, embora tenham alta complexidade clínica, não atraem médicos por não realizarem muitos procedimentos.”
Segundo os dados do MEC, enquanto os programas de residência em dermatologia têm taxa de ocupação de 66,1%, os de medicina da família, essenciais para o plano do Ministério da Saúde para fortalecer a atenção básica, têm apenas 19,9% das vagas preenchidas. O presidente da ANMR afirma que, para tentar minimizar o problema, o governo federal deveria criar uma carreira pública para os médicos e demais profissionais de saúde.
Valores
Ele reclama ainda do valor da bolsa paga ao residente, de R$ 2.976, e afirma que a quantia deve ser reajustada para o valor da remuneração dada pelo governo federal a médicos integrantes do Mais Médicos e do Programa de Valorização da Atenção Básica (Provab), que recebem cerca de R$ 10 mil. “A gente costuma trabalhar 60 horas por semana para ganhar um quarto do que esses outros médicos, que trabalham 40 horas, ganham.”
O diretor do MEC admite que, por causa da oferta de empregos e de melhores salários logo após a conclusão da graduação, muitos recém-formados escolhem não fazer residência. “Existem muitas opções de trabalho para médicos hoje em serviços de urgência e emergência, em que não é necessário residência.”
Ele afirma que o MEC tem adotado estratégias para aumentar o interesse dos estudantes em áreas com programas de residência com baixa procura, principalmente a medicina da família e comunidade. “A gente criou uma câmara técnica de atenção básica para a implementação de um novo currículo para a graduação, no qual queremos destacar que é uma especialidade importante, que cuida de todos os ciclos de vida do paciente e é muito valorizada em outros países”, diz ele.
Distribuição
Os dados do MEC obtidos pela reportagem mostram ainda que, embora a lei do programa Mais Médicos tenha determinado a ampliação das vagas de residência por todo o País como uma das medidas importantes para a fixação de médicos em áreas mais distantes dos grandes centros urbanos, a maior parte das novas vagas autorizadas entre 2014 e 2015 pelo MEC está concentrada nas Regiões Sul e Sudeste.
Das 71.873 vagas criadas desde o ano passado, 81% estão nessas duas regiões. Metade de todos os novos postos foi criada no Estado de São Paulo. Para o diretor do MEC, a divisão das vagas tem relação com o tamanho da população de cada Estado e com o número de serviços de saúde, onde são oferecidos os programas de residência.
Falta de estímulo
Na turma de quase cem formandos de 2013 da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Lucas Gaspar Ribeiro era considerado exceção. Enquanto alguns colegas recém-formados buscavam programas de residência em especialidades financeiramente mais rentáveis, como a anestesiologia, o médico de 30 anos optou por seguir em medicina da família e comunidade, especialidade cujos programas de residência no País têm a menor taxa de ocupação.
Só ele e outros dois colegas de turma escolheram esse campo. Na faculdade, das 30 vagas existentes na área, só 13 estão ocupadas. “Eu cheguei a ser coagido por professores e colegas para não fazer essa escolha. Diziam que para ser médico de família eu não precisava fazer residência, o que demonstra total falta de conhecimento sobre a atenção primária.”
O residente diz que passou a se interessar pela área no 5.º ano, quando teve maior contato com a especialidade no estágio. “Percebi que muito do que me atraía na Medicina estava presente nessa especialidade, como o cuidado mais integral ao paciente, a visão de que temos de tratar a pessoa e não a doença.”
Na parte prática da residência, o médico já observou as dificuldades de trabalhar com um número de profissionais menor do que o necessário. Ele atende pacientes de uma unidade de saúde que deveria ter quatro médicos, mas só tem dois.
“A gente acaba tendo de absorver todo esse atendimento. Para dar conta de atender todo mundo, abrimos mão de algumas atividades, como encontros em grupo, ações em escolas. Mesmo assim, não tenho dúvidas sobre a importância dessa especialidade e de que é nela que quero ficar.”