fonte: Folha de SP

O professor aposentado de química da USP Gilberto Chierice rebateu nesta quinta-feira (29) as críticas sobre a fosfoetanolamina, substância com suposta ação contra o câncer que, apesar de não ter passado por testes clínicos em humanos, despertou o interesse de pacientes pelo país.

“É uma situação que chega a ser constrangedora. Já fui chamado de garrafeiro. Isso não funciona em ciência. Ciência é assim: preto é preto, branco é branco, azul é azul, amarelo é amarelo”, disse em audiência audiência pública sobre o caso da “fosfo” na Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado.

Chierice comentou o período em que ele afirma ter sintetizado a substância em parceria com o hospital Amaral Carvalho, localizado em Jaú, no interior de São Paulo.

Sem entrar em detalhes ou apresentar documentos, o professor afirmou que pesquisas sobre a substância foram realizadas e cumpriram regras “não da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)”, mas do Ministério do Saúde.

Braço do ente federal, a agência reguladora, porém, é quem oficialmente define e acompanha os passos de desenvolvimento de futuros medicamentos no país.

Segundo o professor, o “padrão” das pesquisas envolvia 11 pessoas em cada fase. “Essas fases foram feitas. Cadê? Vocês têm que pedir para o hospital. O hospital abandonou [as pesquisas], e eu sei qual é o motivo”, disse, sem, porém, informar tais razões.

“Não tenho um dado clínico de todas essas pesquisas. Mas tem muita gente que tomou”, completou em seguida. “Ela já foi chamada de garrafada, de pilulinha mágica. Provem o contrário”, disse.

Em discurso, Chierice negou ter feito “exercício ilegal da medicina” ao distribuir o composto e disse que as doses da substância foram recomendadas pelo hospital onde trabalhava à época após os primeiros testes com os pacientes.

“Esgotado esse convênio, os pacientes passaram a pegar o medicamento na USP em São Carlos. E isso cresce de uma maneira às vezes incontrolável. Mas nunca inserimos na área médica”, disse.

Segundo Chierice, a polêmica começou após a USP cancelar a distribuição da fosfoetanolamina, “aquilo que entreguei por 25 anos”.

“Quem defenderia os cancerosos? Fiz esse estardalhaço todo e estou disposto a enfrentar. Não se preocupem se me verem de joelhos. É que estou rezando”, disse.

SEM COMPROVAÇÃO

A fosfoetanolamina tornou-se objeto de embate depois que decisões da Justiça obrigaram a USP a produzi-la e fornecê-la a mais de mil pessoas, apesar de não ter comprovação de eficácia devido à falta de testes.

Em nota, a USP já informou que a fosfoetanolamina não é remédio, foi estudada como produto químico e não há “demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença”.

A universidade disse ainda não ser uma indústria química ou farmacêutica e que não tem condições de produzir a substância em larga escala para atender às “centenas de liminares”.

Após ouvir a nota lida no início da audiência no Senado, Chierice reagiu: “Acho que o reitor deveria primeiro experimentar”.

Planejada para discutir as evidências disponíveis, o encontro acabou por se tornar um ato de apoio à fosfoetanolamina, com maior número de convidados favoráveis à substância e críticas àqueles que faziam ressalvas sobre a falta de comprovação de segurança.

Além de Chierice, estiveram no encontro pesquisadores da USP e Butantan que apresentaram dados de pesquisas pré-clínicas com a substância, para as quais a substância age apenas nas células tumorais, sem afetar as demais. Um grupo de pacientes na plateia apoiava e aplaudia Chierice.

PESQUISAS

Em meio às reações do público, coube ao presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, esclarecer que todos os dados apresentados se referem apenas a testes iniciais e apresentar as etapas de desenvolvimento da pesquisa clínica, que envolvem três fases na qual são testadas toxicidade, segurança e eficácia.

“A regulação sanitária é importante para proteger a saúde da população. Medicamentos e vacinas não são inócuos. Para não ir muito atrás, cito um medicamento recente que foi tido como milagre e acabou cancelado porque se descobriu que ele aumentava o risco de infarto”, afirmou, referindo-se ao medicamento Vioxx.

“Qual a barreira? É de demonstrar cabalmente que um medicamento não é capaz de produzir males à saúde de quem vai utilizar”, disse.

Segundo Barbosa, a agência está disposta a dar aval para novas pesquisas caso solicitado. “Dentro do nosso papel faremos todo o possível para que dúvidas sejam retiradas e o processo de pesquisa clínica seja realizado em condições adequadas”, completou.

O secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Adriano Massuda, disse que a pasta deve formar um grupo de trabalho com pesquisadores para discutir a substância.