fonte: Estadão

Em resposta a uma solicitação do Supremo Tribunal Federal (STF), o Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Rio, emitiu um parecer técnico sobre a fosfoetanolamina sintética, substância que ficou conhecida como “pílula do câncer”. O documento tem apenas duas páginas e resume a opinião da instituição em um parágrafo. Segundo o Inca, seria “antecipada e precipitada qualquer decisão terapêutica relacionada à fosfoetanolamina” antes da realização de estudos controlados sobre a substância.

“Ressalta-se que procedimentos terapêuticos necessariamente são embasados em evidências científicas”, diz o parecer, assinado pelo coordenador de Assistência do Inca, Gélcio Luiz Quintella Mendes. “Portanto, somente ao término dos estudos pré-clínicos e clínicos desta substância poder-se-á elencar as possibilidades ou não de uso como medicação anticancerígena”.

O parecer foi encomendado pelo presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, com o objetivo de subsidiar um julgamento da Corte sobre os milhares de processos que estão sendo movidos por pacientes para obrigar a Universidade de São Paulo (USP) a produzir e fornecer a substância.

“Como se nota, está em jogo a obrigatoriedade e até mesmo a possibilidade ou não de o Poder Judiciário determinar o fornecimento de substância que, além de não possuir registro na Anvisa, sequer foi objeto de estudos com o fim de que se avaliem os riscos de seu uso contínuo à saúde humana”, diz Lewandowski.

Decisão. O relator do processo que trata da fosfoetanolamina no STF é o ministro Edson Fachin. Em outubro, ele concedeu a uma paciente o direito de obter as pílulas no Instituto de Química de São Carlos, cuja distribuição havia sido suspensa por uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Abriu-se, assim, um precedente para novos processos.

A estratégia da Procuradoria-Geral da USP para se defender foi entrar, também, com uma ação cautelar no STF, pedindo a suspensão de todas as liminares relacionadas ao fornecimento da “fosfo”. “Estamos esperançosos que o ministro Fachin anuncie uma decisão agora, com base nesse parecer do Inca”, diz o procurador-chefe da área cível da USP, Aloysio Vilarino dos Santos.

Estudos da fórmula se limitam a testes em camundongos

Durante anos Salvador Neto, funcionário do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e um dos detentores da patente da fosfoetanolamina, produziu e distribuiu as pílulas gratuitamente para pacientes com câncer, tendo como base apenas alguns estudos preliminares em camundongos.

A substância, porém, nunca foi testada e não há comprovação científica da sua segurança ou eficácia como terapia. A diretoria do IQSC determinou o fim da produção em junho de 2014, mas a atividade precisou ser retomada para atender às demandas judiciais. A USP não sabe a fórmula, pois os pesquisadores registraram a patente sem a participação da universidade.

‘Caímos numa armadilha’, diz reitor

Uma enxurrada de ações judiciais relacionadas à “pílula do câncer” está travando o sistema jurídico da Universidade de São Paulo (USP). Desde o início da polêmica nacional sobre a fosfoetanolamina sintética, em junho de 2015, a instituição já foi citada em mais de 13 mil processos movidos por pacientes que exigem o fornecimento da substância, acreditando tratar-se de uma cura para o câncer.
“Caímos numa armadilha”, diz o vice-reitor da USP, Vahan Agopyan. “Estamos sendo obrigados pela Justiça a fornecer um produto que não sabemos o que é, não sabemos o que pode fazer nas pessoas, e está sendo produzido em condições totalmente inadequadas. É uma situação muito constrangedora”. “Nosso jurídico não está conseguindo atender às necessidades da universidade porque a maioria dos nossos procuradores está ocupada respondendo às demandas judiciais da fosfoetanolamina”, completa ele.