fonte: Folha de SP
por Claudia Collucci
Cara dra. Margareth Chan, diretora-geral da OMS:
A sua visita ao Brasil a partir desta terça (23) não poderia acontecer em momento mais oportuno.
Não bastasse o mar de incertezas que vivemos em relação ao vírus da zika e os casos de microcefalia, as recentes medidas do Ministério da Saúde só têm piorado a situação, deixando um rastro de desconfiança e perplexidade no ar.
Não sei o quanto a sra. está familiarizada com o assunto, mas vou rapidamente resumi-lo. Na última quarta-feira (17), o Ministério da Saúde decidiu “decretar” que todos os casos de microcefalia e alterações do sistema nervoso central de causas infecciosas são provocados pelo zika vírus.
Eis parte da nota que o órgão distribuiu à imprensa:
“ATENÇÃO! O Ministério da Saúde considera que houve infecção pelo vírus zika na maior parte das mães que tiveram bebês cujo diagnóstico final foi de “microcefalia e/ou alterações do Sistema Nervoso Central, sugestiva passará a divulgar esses casos confirmados, sem especificação do diagnóstico laboratorial para vírus zika, pois esses dados não representam adequadamente o número de casos observados (magnitude). Além disso, a partir desse momento, considerará que todos os casos confirmados estão relacionados a infecção congênita pelo vírus zika. Todos os casos são avaliados individualmente e submetidos a um conjunto de exames de diagnóstico laboratorial e por imagem (ex.: ultrassom transfontanela etc.). Uma proporção muito pequena desses casos, após seguimento e análises específicas, é confirmada para outras causas, mas são tão poucas as crianças que isso não altera a avaliação da tendência (aumento ou redução) do número de casos (magnitude).”
Essa medida deixou atordoada parte da comunidade científica do país. Como tomar uma decisão dessa natureza na “canetada”, jogando no lixo todo e qualquer método científico?
Até a semana anterior ao comunicado, o ministério reportava casos suspeitos de microcefalia, casos confirmados, casos descartados, casos em investigação e casos em que o vírus da zika estava relacionado (eram 41 no total).
Agora, decidiu que não vai mais especificar quantos dos casos tiveram o diagnóstico laboratorial confirmado para o vírus da zika. Diz que o número anterior (41) não representava a realidade do total de casos.
Sim, sabemos das limitações técnicas existentes, como a falta de testes capazes de atestar que as mães de bebês com microcefalia foram de fato infectadas pelo zika durante a gestação. Mas, diante disso, não parece nada razoável abandonar o método científico e adotar o “achismo”.
Na falta de respostas convincentes para explicar tamanho despropósito, mais dúvidas foram colocadas na fogueira das incertezas. O ministério tomou essa decisão porque os números não conseguem comprovar a tese de que seja o zika o único culpado pelos casos recentes de microcefalia? Os dados anteriormente divulgados estavam errados? Os exames tinham muitos falso-positivos, o que é comum com o método PCR?
Essas dúvidas se somam a outras causadas por fatores como a falta de padronização na notificação de casos suspeitos de microcefalia.
Alguns Estados reportam todos os casos de bebês com crânios medindo 32 cm ou menos de circunferência. Outros, apenas as má-formações que tenham relação com um agente infeccioso.
Sobre os casos confirmados, também pairam incertezas. O Ministério das Saúde não informa, por exemplo, se os casos relacionados ao zika tiveram exclusões para outros tipos de infecções (como sífilis).
Segundo reportagem do “El País”, os Estados que mais registraram casos de microcefalia (Pernambuco e Paraíba) dizem que apenas agora estão sistematizando, de forma específica, quantos foram os casos em que a gestante foi infectada por outro vírus ou bactéria, como a sífilis, por exemplo.
Lembrando que, conforme a Folha revelou, nos últimos sete anos, os casos de sífilis entre gestantes triplicaram no país. Em 2008, 7.920 gestantes tinham sífilis; em 2014, eram 28.226.
Entre os casos descartados, quantos são de crianças saudáveis e quantos são de bebês com má-formações não ligadas a um agente infeccioso? O ministério também não diz.
Sabemos que muitas das respostas em relação ao zika ainda estão sendo construídas e que, conforme a sua própria organização já estimou, serão necessários de quatro a seis meses para se ter evidência de ligação entre o vírus e a microcefalia.
Enquanto isso não ocorre, o mínimo que se espera de um governo sério é cautela, transparência e ciência. Inserir mais dúvidas nesse cenário já tão confuso só faz aumentar a onda de boatos em um momento em que todos os esforços deveriam estar concentrados em torno de um único propósito: eliminar os criadouros do mosquito Aedes aegypti.
Se ainda há tanta dúvida sobre o zika, em relação à dengue não há nenhuma. Ela já causa epidemias e mortes em todo o país.
Dra. Margareth, apenas um pedido: apure o que está acontecendo de fato sobre o zika no Brasil e nos diga, por favor.
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Após a publicação desta coluna, o Ministério da Saúde enviou seguinte nota:
“Desde que recebeu a notificação de um número atípico de bebês com microcefalia no estado de Pernambuco, o Ministério da Saúde tem concentrado esforços nas investigações dos casos e tem primado pela transparência nas informações. A partir do dia 11 de novembro, quando declarou situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, o órgão passou a divulgar boletins semanais sobre o andamento das investigações e atualização do número de casos notificados.
Para dar mais clareza aos dados divulgados, o Ministério da Saúde passou a classificar os casos notificados, a partir do dia 16 de fevereiro, como confirmados, descartados e em investigação para microcefalia. É importante deixar claro que a classificação diz respeito à microcefalia e não à infecção pelo vírus da zika.
Como as crianças podem ter sido infectadas nos primeiros meses de gestação, a presença do vírus não é detectada na maioria dos bebês que apresentam microcefalia. A análise dos casos com resultados laboratoriais positivos tem ajudado a compreender a doença, no entanto, não é útil para acompanhar a dinâmica da epidemia.
Assim, o Ministério da Saúde monitora os casos de microcefalia como um todo, pois, caso a opção fosse pela classificação somente após confirmação laboratorial, muitas notificações permaneceriam indeterminadas, induzindo ao erro, sem demostrar a dimensão da epidemia.
Como já ocorriam microcefalias relacionadas a diversas causas em um número muito pequeno e o aumento das notificações está associado à infecção congênita pelo vírus da zika, o monitoramento das confirmações a cada semana reflete os casos relacionados à epidemia. Cabe ao Ministério da Saúde divulgar as informações de maneira a deixar clara a gravidade da situação e não de mascará-la.”