fonte: Folha de SP

A bactéria da hanseníase se “disfarça” de vírus para enganar o sistema imunológico e se espalhar com maior facilidade pelo corpo humano, aponta um estudo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), no Rio.

A descoberta pode ajudar no desenvolvimento de vacinas e de novas terapias para a doença. Hoje, o tratamento com antibióticos é longo, mas consegue curar.

Conhecida no passado como lepra, a hanseníase é um doença de pele contagiosa –principalmente por saliva e secreções das vias aéreas – que pode também atacar o sistema nervoso periférico, os olhos e até outros órgãos.

O estudo é desenvolvido desde 2010 pela bióloga Anna Beatriz Robottom. Em sua tese de doutorado, ela mostrou que a Mycobacterium leprae, bactéria responsável pela hanseníase, libera partes de seu DNA ao infectar a célula de alguém.

Normalmente, ao identificar o material genético estranho, o sistema imunológico ativa os sistemas de defesa do corpo. Mas é aí que se encontra o segredo da hanseníase.

A liberação de DNA dentro da célula é um comportamento comum de infecções virais. Quando a hanseníase “finge” que se trata de uma infecção viral, o combate à doença é feito de maneira errada.

“A bactéria prepara aquele ambiente como se tivesse a capacidade de reprogramar o meio intracelular, tornando-o um nicho favorável à sua proliferação”, diz Milton Moraes, orientador do estudo e chefe do Laboratório de Hanseníase do Instituto Oswaldo Cruz.

Em geral, quando um tipo de resposta imunológica é ativado, outras modalidades são inibidas. Por isso, ao tentar se defender de um vírus, o corpo fragiliza as barreiras contra bactérias.

A resposta do sistema imunológico é enviar enzimas para tentar quebrar o DNA viral que se encontra nas células. “Mas, como a bactéria tem uma parede espessa, a presença dessas enzimas não faz cócegas nela”, disse Moraes.

Um dos pontos centrais no comportamento de defesa do corpo contra vírus, bactérias e até mesmo o câncer é a produção da molécula interferon do tipo 1. Os pesquisadores demonstraram que, no caso de infecção pela M. leprae, o interferon aumenta a atividade do gene OASL (central no controle da proliferação das bactérias nas células) e a eliminação do invasor é prejudicada. Isso significa aumento da viabilidade da bactéria dentro da célula.

Além ajudar a trazer novas formas de prevenção e tratamento da hanseníase, a pesquisa pode facilitar a compreensão de outras doenças que afetam o sistema nervoso. “As estratégias que levam ao dano neural muitas vezes passam por vias comuns. Se entendo o mecanismo da hanseníase, isso pode me ajudar a entender melhor o diabetes e as doenças de Parkinson e Alzheimer”, diz Moraes.

Os resultados da pesquisa foram publicados na revista científica “Journal of Infectious Diseases”.

MORANDO JUNTO

O IEDS (Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária) do Rio, conhecido como Hospital Curupaiti, começou a funcionar em 1928. O local serviu de colônia para pessoas com hanseníase até a década de 80, quando deixou de funcionar como hospital-colônia.

O preconceito pela doença e a ausência de reinserção social, porém, levaram à permanência de ex-pacientes na área.

Adriene Mendonça, diretora-geral do IEDS, disse que cerca de 3.500 pessoas residem na área comunitária do hospital – 300 deles são ex-pacientes e o restante, familiares.

São eles que cuidam dessa área, que se encontra bastante degradada. Há banheiros sem porta, por exemplo. Segundo a diretora, o hospital não tem ingerência sobre a ala e o Ministério Público está ciente de conflitos entre os moradores.