fonte: O Globo
O temor de uma epidemia de chicungunha cresce à medida que o termômetro sobe. Existem as condições necessárias para a doença se espalhar pelo Rio e por outros estados do Brasil, afirma o virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, pioneiro no estudo do zika e considerado um dos maiores especialistas do mundo em vírus transmitidos por insetos. E, se o zika permanece uma ameaça, o chicungunha deixa médicos experientes, como Vasconcelos, impressionados com a agressividade da infecção observada recentemente no Brasil e em outros países da América Latina.
Entre as sequelas, lesões que levam à implantação de próteses. São frequentes as dores intensas por anos. Articulações podem se enrijecer ao ponto de impedir o movimento dos dedos, uma deformidade conhecida como “mão em gancho”. Alguns bebês, contaminados pela mãe doente ao nascer, morreram de encefalite após dias. Existem raros casos de bebês contaminados na gestação, como no zika.
— Fiquei impressionado com radiografias de pacientes que mostravam uma destruição maciça da cabeça do fêmur. Essas pacientes desenvolveram osteoporose após a infecção pelo chicungunha e continuaram a sofrer com problemas articulares graves, dores fortes. Dois anos depois da infecção, o acetábulo (parte da bacia que forma a articulação do quadril junto com a cabeça do fêmur) estava destruído e elas precisaram de próteses. É uma infecção que pode evoluir para um quadro grave e incapacitante — afirma Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, em Ananindeua, no Pará.
ESTADOS COMO O RIO ESTÃO VULNERÁVEIS
Ele esteve no Rio para participar de uma conferência internacional sobre zika organizada pela Academia Brasileira de Ciências, a Academia Nacional de Medicina e a Fundação Oswaldo Cruz. Na conferência, o chicungunha mereceu destaque.
— O problema é que o chicungunha causa dores muito fortes. E as sequelas podem ser pesadas. É uma doença realmente incapacitante, grave — destaca.
A maioria dos 236.287 casos registrados até outubro se concentrou no Nordeste. Por isso, o alerta de especialistas.
— Todo o restante do país está vulnerável. Estados como o Rio de Janeiro, que tem uma grande população não exposta, correm risco real de epidemia. Com o calor e a intensificação da frequência das chuvas, os mosquitos voltam a se propagar — observa.
O chicungunha leva uma vantagem sobre os vírus do zika e da dengue em sua disseminação. A carga viral, isto é, a quantidade de vírus no sangue da pessoa infectada, é muito mais elevada que a da dengue ou do zika.
— Isso o torna mais transmissível. E ele começou a se espalhar pelo Brasil. Temos visto um aumento sustentado de casos de um ano para o outro — explica.
E o chicungunha é mais letal para adultos do que o zika. Até outubro, havia 120 casos de morte por chicungunha confirmados no Brasil, quase todos no Nordeste.
— Mas esse número pode ser muito maior. Há cerca de mil em investigação. E esses são apenas os notificados. Por vezes, a doença é confundida com dengue ou zika. Mas não sabemos por que o chicungunha se espalhou primeiro e com mais força no Nordeste, assim como o zika. Isso permanece um mistério. O que sabemos é que agora ele tem as condições para afetar com gravidade, por exemplo, os estados populosos do Sudeste. Isso é um problema de saúde pública muito grande — diz o pesquisador.
Se a infecção por zika é branda para a maioria das pessoas, a por chicungunha quase sempre é severa. Em alguns casos, realmente grave. E sempre dolorosa. A palavra chicungunha quer dizer “aquele que se curva” num dialeto da Tanzânia, em alusão à postura contraída pela dor dos doentes. O alvo principal são as articulações. Mas o vírus causa numerosos outros problemas.
— Ele deflagra uma espécie de gatilho em pessoas com algum tipo de supressão do sistema imunológico. E, em alguns casos, a pessoa nem sabe que tem essa supressão. Vimos uma mulher que teve diabetes e psoríase após contrair chicungunha. Preocupa muito porque à medida que o vírus se espalha, vemos quadros diferentes — salienta.
Passado um ano da decretação de emergência sanitária por zika no Brasil, em 11 de novembro de 2015, esse vírus continua a ser um grande desafio para a ciência.
— O zika é, provavelmente, o vírus mais estudado hoje no mundo. Aprendemos muito em pouco tempo. Mas há mecanismos fundamentais no escuro. Ainda não sabemos como ele vence a barreira natural do cérebro e causa microcefalia. E como destrói diferentes tipos de células do corpo. Sabemos que é devastador para os neurônios, mas não exatamente como os ataca — afirma.
O genoma do zika não mudou muito desde a sua descoberta há quase 70 anos. O que parece ter mudado é o tamanho da epidemia.
— Pode ser que, na verdade, só agora, com mais casos, estejamos vendo todo o espectro clínico do zika, todo o mal que ele pode fazer. Certeza, só a de um perigo imenso — comenta o cientista.
VACINA À VISTA
O grupo de Vasconcelos no Evandro Chagas, junto com pesquisadores da University of Texas Medical Branch e da Fiocruz, espera começar a testar em breve uma vacina contra o zika em macacos. Os testes serão realizados na Fiocruz, no Rio.
— A vacina ofereceu 100% de proteção a camundongos. Estamos com tudo pronto e à espera somente da autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para começar os testes. Temos urgência. Sabemos que este será outro verão de zika — afirma.