fonte: Folha de SP

por Hélio Schwartsman

Receio que o público, hospitais e os próprios conselhos de medicina estejam exagerando na reação contra médicos que fizeram comentários inapropriados sobre Marisa Letícia. Eu mesmo escrevi uma coluna condenando sua desumanidade, mas não devemos perder a medida das coisas.

Violar o sigilo que cerca o prontuário do paciente é grave. Além de infração ética, é ilícito penal. Se algum médico de fato divulgou informações a que teve acesso no sistema do hospital, fica sujeito a demissão por justa causa, processo ético no conselho e a uma investigação policial.

A questão dos comentários é bem menos óbvia. Odiar uma pessoa e desejar sua morte, embora pouco enaltecedor, especialmente para um profissional da saúde, não está tipificado como crime –e nem deve estar. Antes que petistas mais afoitos me xinguem, lembro que tanto eu como eles celebramos a agonia e a morte do ditador Francisco Franco, para dar um único exemplo. Fazê-lo foi um crime? Parece-me claro que não.

Dependendo da interpretação, comentários desairosos podem configurar violação ao Código de Ética Médica, mas essa é uma hermenêutica muito draconiana. Prefiro considerar que os dispositivos do código só se aplicam a médicos no exercício da profissão, não nas 24 horas do dia.

Para manter a saúde mental, seres humanos têm necessidade de uma esfera de intimidade na qual possam deixar seus superegos de lado e dizer qualquer gênero de besteira sem temer consequências. Até há pouco, não era difícil encontrar um ambiente desses num papo com amigos. O caráter efêmero das palavras faladas, que desaparecem depois de pronunciadas, assegurava a semiconfidencialidade. Com o advento das redes sociais, em que aquilo que foi dito dura para sempre, a conversa com amigos deixou de ser um espaço de intimidade. O incrível é que as pessoas ainda não se deram conta de que as redes não são uma mesa de bar.