fonte: http:http://defesamedica.com.br/2017/02/02/o-manual-dos-residentes-por-amanda-bernardes/

por Amanda Bernardes – Advogada Especialista em Defesa Médica

Dúvidas comuns entre os Médicos, principalmente entre Residentes e Preceptores:

“ O residente pode ser acionado judicialmente? “;

“ Qual a responsabilidade dele? “;

“O médico preceptor tem responsabilidade sobre os atos do residente? “;

“Como proceder em situações de risco? “;

“Quais são os direitos e deveres do residente? “;

“Qual a sua autonomia? “;

“O residente tem direito a férias? Licença maternidade? Licença paternidade? “.

 

  1. O médico residente possui responsabilidade sobre seus atos?

Sim. Todos os profissionais de medicina respondem por seus atos. O residente detém obrigações legais a partir da obtenção de seu registro pelo Conselho Regional de Medicina, pois apesar de contar com supervisão e orientação, subtende-se que tenha os necessários conhecimentos para tratar da vida humana.

  • Ao praticar o ato médico, pesa sobre o residente a responsabilidade inerente a esse ato; portanto, este poderá ser responsabilizado judicialmente ou eticamente.
  • O residente será responsabilizado como qualquer outro médico, ou seja, responde pelos atos intencionais ou culposos que pratica no exercício de sua atividade e que gerem danos ao paciente.

 

2. A responsabilidade do médico residente

A simples caracterização como residente não afasta sua responsabilidade, como destaca o jurista Irany Novah Moraes:

“A sua inexperiência não os exime da responsabilidade que têm perante os doentes.”  “O médico residente é médico como outro qualquer, tanto que, para o exercício de suas funções no programa de treinamento, é exigido dele vínculo com o Conselho Regional de Medicina e, dessa maneira, tem de seguir as suas normas e a elas está sujeito.”

  • Posicionamento do Conselho em Consulta 23.090/89 do CREMESP:

” O médico Residente apesar de toda a supervisão e orientação conforme já enfocado, subentende-se que tenha os necessários conhecimentos para tratar de vida humana.
Com efeito, o Residente ao prestar atendimento ao paciente, assume a responsabilidade direta pelos atos decorrentes, não podendo em hipótese alguma atribuir o insucesso a terceiros.

Desta forma, apesar da possibilidade de ocorrência de aspectos negativos na formação profissional, temos que entre o paciente e o médico existe uma relação jurídica perfeitamente definida por dispositivos legais existindo para ambos direitos e deveres. Destaca-se entre os deveres dos médicos a responsabilidade. Entre os direitos do paciente, o de não sofrer dano por culpa do médico.
Assim, em conclusão, entendemos que não há como isentar Residentes, Internos e Docentes da responsabilidade jurídica por eventuais danos, uma vez caracterizada a prática de ato ilícito.”

 

A. As peculiaridades na apuração da responsabilidade do médico residente

Na apuração de sua responsabilidade há peculiaridades que devem ser devidamente demonstradas, pois é notório que o residente está em aperfeiçoamento, sendo assim, esta condição deve ser apontada ao julgador, em momento oportuno, para que não se atribua o mesmo grau de culpa e responsabilidade que é atribuído ao médico especialista e experiente.

A apuração da responsabilidade e da culpa do residente deve basear nas circunstancias fáticas do exercício profissional do investigado, levando-se em consideração toda a realidade concreta, como: especialidade, tempo de residência, experiência e etc., como exemplificado no trecho citado pelo autor Ruy Rosado de Aguiar Jr :

A apuração da culpa do profissional médico obedece aos mesmos procedimentos adotados para a definição da culpa comum: diante das circunstâncias do caso, o juiz deve estabelecer quais os cuidados possíveis que ao profissional cabia dispensar ao doente, de acordo com os padrões determinados pelos usos da ciência, e confrontar essa norma concreta, fixada para o caso, com o comportamento efetivamente adotado pelo médico. Se ele não a observou, agiu com culpa.

 

Após essa análise, o próximo passo será o estudo de comparação da conduta do residente investigado com a conduta do que era esperado de um médico nas mesmas circunstancias, diante da mesma realidade concreta (ex: um médico residente – nas mesmas circunstancias do médico residente processado).

A comparação de condutas estabelecerá se o residente investigado agiu com culpa, e consequentemente se será ou não responsabilizado pelos danos ao paciente.

  • Como já destacamos em vários artigos, para se responsabilizar o médico por qualquer dano ao paciente, deve ser comprovado no decorrer do processo que a causa do dano é uma conduta culposa do médico, caracterizada por imperícia, negligência ou imprudência.

Observações importantes: não importa se o médico errou, mas, sim, se esse erro foi decorrente de culpa, ou seja, falta de cuidado na sua conduta.

  • O que se exige do médico é uma conduta cuidadosa e que siga sua ciência, literatura e os ensinamentos dos preceptores. Não se exigirá do residente condutas heroicas ou condutas iguais as que seriam tomados por um médico experiente e renomado da especialidade.
  • O médico não possui obrigação de cura, até por que sabemos que tal “promessa” é impossível, apesar de infelizmente nos depararmos com julgadores que rotulam a cirurgia plástica estética como tal.
  • Em suma: a análise da responsabilidade do residente possui peculiaridades, que, no processo judicial, devem ser bem fundamentadas em normas médicas e jurídicas, sendo apresentadas ao juiz em diversas formas para análise e apuração da responsabilidade.

Sendo assim, é certo que não se deve atribuir o mesmo grau de culpa e responsabilidade civil que é atribuído ao médico preceptor ao médico residente, até porque este esta se aperfeiçoando, e, esta circunstancia será levada em consideração para apuração da culpa e da responsabilidade.

 

B. A responsabilidade do médico preceptor

A responsabilidade via de regra é pessoal, assim, o residente responderá pessoalmente pelos seus atos, ou seja, cada um responde pelos atos que praticou.

  • Eventualmente o preceptor poderá ser responsabilizado por ato do residente, baseado no dever de fiscalização e supervisão, como exemplificamos abaixo:
  • Nos casos de dano ao paciente derivado de uma atuação conjunta entre residente e preceptor, a responsabilidade será solidária entre eles, conforme notícia vinculada no Conselho Federal de Medicina:

Poderemos ter uma situação em que o dano ao paciente é consequência de uma omissão ou ação (ato) resultante da atuação em conjunto do preceptor e do médico residente. Neste caso poderá ocorrer responsabilização pelo erro, se este existir, tanto do médico residente como de seu preceptor. Será solidária a responsabilização destes pelos danos porventura sofridos por outrem. O diploma permite ao médico residente, devidamente habilitado, exercer sua atividade profissional integralmente, mas lhe atribui obrigações, dentre elas a de ser responsabilizado em juízo por dano que venha a causar a um paciente.

  • Ainda, poderá ocorrer casos em que não há atuação ou omissão do médico preceptor, sendo o dano causado exclusivamente pela conduta do residente. Nestes casos, o residente responderá individualmente pelo dano que causou ao paciente.
  • Por fim, poderá ocorrer casos em que não há atuação ou omissão do residente, o dano tem como causa a conduta culposa do médico preceptor. Nestes casos, o residente não terá responsabilidade, a responsabilidade pelo dano será do médico preceptor.

Importante: A culpa e a responsabilidade de cada integrante da equipe serão analisadas individualmente no processo judicial, como cita o jurista Flávio Ulhoa Coelho:

“No trabalho médico em equipe, cada profissional responde pelos seus próprios atos, inexistindo solidariedade pela imperícia alheia…”.

  • Posicionamento do CFM:

“Poderemos igualmente ter uma situação em que não há a atuação, ou omissão do médico preceptor, ou seja, é exclusivamente do médico residente o atuar que vem a causar um dano ao paciente. Este, então, é quem poderá vir a ser responsabilizado pelo dano sofrido pelo paciente como decorrência de seu agir culposo. Mas, mesmo neste caso, em determinadas situações de atendimento, poderá também o médico preceptor, assim como o hospital, vir a ser responsabilizado em virtude da obrigação legal de fiscalização, vigilância, supervisão, orientação, da atividade de aprimoramento profissional (especialização) em serviço do médico residente, com presença física, obrigatória, respeitadas as circunstâncias, peculiaridades, do caso concreto, do preceptor nos atos médicos. “

  • A justiça, em algumas situações, entende que o residente não responderá sozinho pelo dano, assim, poderá também o médico preceptor vir a ser responsabilizado em virtude da obrigação legal de fiscalização, vigilância, supervisão, orientação nos serviços do residente, como exemplifica o jurista Miguel Kfouri Neto:

Quanto ao residente, já doutor em medicina, a responsabilidade é pessoal. Eventualmente, o preceptor de residência médica poderá responder solidariamente, caso permita que um residente de primeiro ano (R-1), por exemplo, realize ato da especialidade considerada, para o qual ainda não se encontre habilitado (apenas um R-3, p. ex., já estaria capacitado para tal). Portanto o residente ainda é considerado imperito – não internou paciente gravemente queimada e a mulher morreu“.

 

C. Da responsabilidade do médico preceptor: Abandono do médico residente

A justiça já decidiu em caso de ausência do preceptor, que o dano causado pelo residente ao paciente é também de responsabilidade do médico preceptor, pois, segundo o juiz, o médico preceptor responderá pelos danos, tendo em vista que o objetivo dos programas de residência médica é dar aperfeiçoamento ao Medico sob treinamento dirigido, não sendo admissível que os atos médicos sejam realizados sem a presença do preceptor em tempo integral.

Para o juiz, os médicos orientadores/preceptores possuem o dever, sob pena de responsabilidade, de acompanhar de perto as atividades inerentes à especialidade e desenvolvidas pelo residente durante o aprendizado.

 

  1. A responsabilidade do interno/ acadêmico

Pelo estagiário responde o professor-responsável, pois o acadêmico em medicina não está habilitado legalmente para praticar atos médicos, como exemplificado em pronunciamento do Conselho Federal de Medicina: “A responsabilidade pelo ato médico praticado pelo interno do curso de medicina cabe exclusivamente ao médico preceptor”.

 

  1. Do processo judicial e apuração da responsabilidade do residente e do preceptor

No caso de processo, procure um profissional do direito especializado, a especialização é um diferencial importantíssimo na defesa processual de médicos, como cita o autor e professor Eduardo Dantas em artigo “O papel do advogado na prevenção de demandas médicas”:

“ Fazendo-se um paralelo entre o estágio atual do Direito e a atividade médica moderna, o que chama a atenção é o elevado nível de especialização em seus diversos ramos. Se alguém fratura um braço, não procura auxilio do melhor dermatologista da cidade. Da mesma maneira, uma demanda médica não será melhor defendida por um advogado especializado em direito tributário”.

O médico processado necessita de uma defesa de alto padrão técnico (elaborada por equipe multidisciplinar composta por advogados especializados e médicos aptos ao dia-a-dia processual), para demonstração fundamentada do real grau de culpa e circunstancias que cercam o residente, além da demonstração fundamentada de cada ato e da responsabilidade de cada membro da equipe, para evitar a responsabilização injusta de profissionais, apontando normas jurídicas e médicas especificas.

 

  1. Os direitos do médico residente

Em geral, os deveres e direitos do residente encontrar-se-ão dispostos nos contratos de residência, assinados com a instituição de ensino. Contudo, há dúvidas comuns, que elucidaremos, de acordo com o Código de Ética Médica e demais normas:

 

A. Direitos garantidos por lei:

A legislação que rege a residência médica assegura aos residentes:

  • Um dia de repouso por semana;
  • Trinta dias consecutivos de repouso por ano;
  • Filiação à previdência social e os direitos decorrentes do seguro de acidentes do trabalho;
  • Descanso obrigatório para residente que tenha cumprido plantão noturno;
  • O médico-residente tem direito à licença-paternidade de 5 (cinco) dias;
  • À médica residente gestante é dado licença com continuidade da bolsa pelo período de quatro meses.

 

B. A necessidade de presença física do preceptor

Quanto à regulamentação da residência como programa de treinamento e especialização, torna-se explícita a necessidade da presença física do preceptor ao lado do residente, como disposto na lei:

“A Residência Médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não e sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional”.

Se o preceptor não se faz presente, a questão passa a ser de ordem administrativa, do corpo clínico do hospital, de responsabilidade do diretor técnico e dos gestores maiores.

(Obs: para maior embasamento, deve-se realizar a leitura do contrato de residência.)

  • O não comparecimento ou abandono de atividades pelo médico preceptor é considerado delito ético e pode eventualmente ser tipificado como ilícito penal e civil, acarretando em responsabilização pela falta e omissão do médico preceptor.

 

C. Quais são os riscos de assumir sozinho o ato médico sem preceptoria?

Além de menor experiência e consequentemente maior risco de erro, ao assumir sozinho o ato médico, o residente torna-se responsável pelo ato eventualmente produzido.

Sendo assim, se o residente pratica qualquer ato sem a fiscalização do medico preceptor, seja por qualquer motivo, estará assumindo a responsabilidade do ato praticado.

  • Como dispõe parecer do CRM/ MS, N° 05/2009:

… tendo o residente praticado um ato médico sem a supervisão ou orientação do preceptor (o que é vedado), responde aquele sozinho, por inexistência de relação de causalidade entre o eventual dano e a conduta do preceptor. Aliás, este é o teor da resposta dada pelo CFM a assunto semelhante: “A relação entre o médico residente e seu preceptor deve ser respeitosa, exigindo qualidade ética e profissional do preceptor no exercício de sua atividade, que tem responsabilidade compartida com o residente, na prática do ato médico durante o treinamento do PRM” (PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 3.426/2001 PC/CFM/Nº 13/2002).

Observações importantes: O residente não deve assumir sozinho qualquer ato médico. No caso de falta ou abandono do serviço pelo médico preceptor, caberá ao residente comunicar aos responsáveis, requerendo a resolução imediata do caso.

  • Ausência de preceptor justifica abandono de plantão?

Em consulta o CEREMERJ afirma: “Nada justifica abandono de plantão. Os residentes são médicos, com CRM, responsáveis pelos pacientes. A falta de supervisão pode e deve ser questionada pelos Residentes junto ao supervisor, mas o abandono de plantão é considerado falta ética grave, sujeita à punição. “

 

D. A Autonomia do Médico Residente

O residente possui direitos, deveres e responsabilidades como qualquer outro médico, e, portanto, é regido pelo Código de Ética Médica. É direito do residente:

II- Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as praticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.

IX- Recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.

Ainda, segundo o Capítulo VII- Relação entre médicos, é vedado ao médico:

Art. 50. Acobertar erro ou conduta antiética de médico.

Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável. (G.N.)

Art. 56. Utilizar-se de sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro dos princípios éticos.

O residente possui autonomia profissional como qualquer outro médico.