fonte: Folha de SP

Em avanço no país, a cirurgia bariátrica poderá se desvincular da questão do peso e incluir ainda mais pacientes.

Nos últimos cinco anos, o número de cirurgias realizadas no país cresceu 39%, de 72 mil em 2012 para 100 mil em 2016, segundo a SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica).

A maior parte dos procedimentos acontece entre usuários da rede privada e de planos de saúde. No SUS, o avanço é semelhante (35%), mas a escala é menor: de 6.020 em 2012 para 8.157 em 2016, segundo o Ministério da Saúde.

Médicos que atuam no setor atribuem o crescimento à maior disponibilidade de informações sobre a cirurgia e ao avanço da obesidade, que aumentou 60% em dez anos.

“E esse número não vai diminuir, a menos que haja uma revolução na parte clínica ou na prevenção”, diz Caetano Marchesini, presidente da SBCBM. Segundo ele, o número de operados ainda é baixo: menos de 1,5% dos 9 milhões de pacientes elegíveis.

Podem ser candidatos à cirurgia pacientes com IMC (índice de massa corporal, que é o peso dividido pela altura ao quadrado) acima de 40 kg/m² ou maior que 35 kg/m² quando há doenças relacionadas, como diabetes e hipertensão.

Mas uma proposta enviada em janeiro ao CFM (Conselho Federal de Medicina) defende a redução do IMC para 30 kg/m² para pacientes de diabetes tipo 2 não controlado.

“Se operarmos só pelo peso, estamos excluindo quem não está sob controle só com remédios, como os diabéticos”, diz Ricardo Cohen, do Centro de Obesidade e Diabetes do hospital Oswaldo Cruz.

Segundo ele, a ideia é indicar o procedimento também como alternativa a pacientes no início do tratamento. “Quanto mais precocemente indicar a cirurgia, com menor tempo de uso de insulina, melhores os resultados”, diz.

Em nota, o CFM afirma que a solicitação está sob análise.

Uma eventual mudança, porém, ainda gera polêmica entre médicos. Para o endocrinologista Bruno Geloneze, da Unicamp, a tentativa de alterar os critérios para pacientes com diabetes desconsidera o avanço de outras alternativas de tratamento e desconsidera o baixo acesso à bariátrica na rede pública.

“Por que vamos diminuir o IMC, ampliar a quantidade de pessoas a serem operadas, sendo que não operamos praticamente ninguém que deveria ser operado?”, questiona. “Começa a tendência a operar quem não precisa.”

Já para Luiz Turatti, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, a mudança pode trazer mais uma alternativa de tratamento. Ele defende, porém, que haja critérios bem definidos para acesso à cirurgia, como avaliação por endocrinologistas. “Não pode generalizar”, afirma.

Segundo Marchesini, além da proposta de reduzir o IMC para tratar diabetes, há discussões para que isso ocorra também em casos como colesterol alto e hipertensão.

NOVAS TÉCNICAS

Além da possível ampliação da lista de candidatos à bariátrica, o reconhecimento de algumas técnicas de cirurgias hoje tidas como experimentais também têm sido alvo de discussões.

É o caso da gastrectomia vertical com interposição ileal, tipo de bariátrica que voltou a gerar polêmica neste ano após ter sido feita pelo ex-jogador Romário para tratar diabetes, mas que ainda não é aprovada pelo CFM.

O modelo, porém, ainda gera ressalvas.

“A técnica cirúrgica não pode ser só eficiente, tem que ser factível. É preciso estudos mais aprofundados a longo prazo”, diz Marchesini.

Cohen concorda. “A inovação tem que ser estimulada, mas testada primeiro.”

Um desses estudos é hoje conduzido pelo núcleo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Sírio-Libânes, que busca comparar a interposição ileal e outras técnicas reconhecidas, como o bypass gástrico. Os resultados após dois anos devem ser divulgados neste semestre.

Além do debate sobre os modelos de bariátrica, uma outra técnica de redução do estômago também tem chamado a atenção de médicos.

Trata-se da gastroplastia endoscópica, procedimento em estudo na Faculdade de Medicina do ABC e que usa endoscopia para costurar parte do estômago.

De acordo com o endoscopista Eduardo Grecco, a técnica é indicada para pacientes com IMC entre 30 kg/m² e 40 kg/m², mesmo sem comorbidades. “É uma opção de tratamento da obesidade”, afirma ele, que compara a técnica ao balão intragástrico.

A perda de peso, porém, é menor do que a bariátrica –até 20% do peso, contra 40% da cirurgia comum. Já o ponto positivo, diz, é a ausência de complicações severas.

Em nota, o CFM afirma que qualquer intervenção para tratar obesidade, diabetes e outras doenças que não estejam em resolução do conselho são consideradas experimentais. Sem a aprovação, tais técnicas só podem ser feitas no Brasil com base em parâmetros definidos em protocolos de pesquisa, completa.

ESFORÇO DIÁRIO

Quando Cristiane Carvalhes, 38, decidiu, há sete anos, fazer a cirurgia bariátrica, sobravam dúvidas. Tantas que depois ela até chegou a criar um diário virtual para ajudar outros pacientes.

Hoje, após o desfecho da própria experiência, o objetivo é informar sobre os riscos de largar o acompanhamento nutricional e o exercício.

“Quero mostrar que a cirurgia não é um milagre. Muitos diziam: é fácil emagrecer assim. Mas não é. Você entra numa reeducação alimentar para o resto da vida. Se não seguir, volta a engordar”, afirma ela, que voltou a ganhar cerca de 30 kg desde o nascimento da filha, há dois anos, quando derrapou na dieta e deixou de lado os exercícios.

O valor corresponde à metade do que havia perdido após a bariátrica, quando passou de 117 kg para 57 kg. Hoje, está com 89 kg.

A estimativa é que 15% dos pacientes recuperam até metade do peso perdido, segundo Caetano Marchesini, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

“Sem dúvida operar é mais eficaz que muitos tratamentos clínicos. Mas, se não está bem preparado, os pacientes reganham peso. Onde está a maior demanda também aparecem as maiores complicações”, diz Cláudia Cozer, do Hospital Sírio-Libanês.

Outros efeitos, como deficiências nutricionais, também são esperados: anemia, perda do cabelo e osteoporose são algumas das queixas.

De acordo com Geloneze, a situação ocorre porque cirurgia é um mecanismo de “desnutrição programada”. “Daí ser mandatória a reposição e o uso de vitaminas. Desnutrição é regra, os casos graves é que são exceção.”

“Cheguei a ter que fazer reposição intravenosa de ferro por um bom tempo”, conta Cristiane.

Mas por quanto tempo isso é necessário? “Vamos ser defensivos: vitamina para o resto da vida”, diz Ricardo Cohen, do Hospital Oswaldo Cruz. A vantagem, afirma, é que ao diminuir o excesso de peso, diminui o risco de problemas mais graves associadas à obesidade -como diabetes e hipertensão.

“É um mito achar que a cirurgia vai te deixar magra para o resto da vida. É só uma ferramenta para te ajudar nesse processo”, diz Cristiane.