fonte: O Globo
Numa tentativa de detectar o câncer precocemente e de uma forma não invasiva, cientistas do Centro Kimmel para o Câncer, da Universidade Johns Hopkins, EUA, desenvolveram um teste que dizem ser capaz de detectar mesmo pequenas quantidades de DNA específico da doença, tendo usado-o para identificar de forma acurada mais de metade dos casos de 138 pessoas que estavam com câncer colorretal, de mama, pulmão ou ovário em estágios iniciais.
O teste, dizem os cientistas, tem como novidade a capacidade de distinguir o DNA liberado pelos tumores de outros trechos de DNA que podem erroneamente serem identificados como biomarcadores da doença. Artigo sobre a pesquisa, feita no sangue e em amostras de tecidos de tumores de 200 pessoas com câncer em diversos estágios nos EUA, Dinamarca e Holanda, foram publicados nesta quarta-feira no periódico científico “Science Translational Medicine”.
– Este estudo mostra que identificar o câncer precocemente usando mudanças no DNA no sangue é factível e que nosso método de sequenciamento de alta acuidade é uma abordagem promissora para atingir este objetivo – destacou Victor Velculescu, professor de oncologia do Centro Kimmel.
Exames de sangue para o câncer são um aspecto crescente da oncologia clínica, mas eles ainda estão nas fases iniciais de desenvolvimento. Para encontrar pequenos trechos de DNA derivados dos tumores no sangue dos pacientes, os cientistas frequentemente têm se baseado em alterações no DNA encontradas em amostras de tumores biopsiados dos próprios pacientes para guiar a busca pelos erros genéticos entre as enormes quantidades de DNA circulantes no sangue. Mas para criar um teste de câncer que pudesse ser usado em pessoas aparentemente saudáveis, os cientistas tiveram que encontrar novas maneiras de detectar alterações no DNA que poderiam estar escondidas em seu sangue e ainda não foram identificadas.
– O desafio foi desenvolver um teste de sangue que possa prever a provável presença do câncer sem saber quais são as mutações genéticas presentes no turmo de uma pessoa – resumiu Velculescu.
Assim, o objetivo principal dos cientistas era desenvolver um exame que fosse altamente específico para detectar o câncer enquanto, ao mesmo tempo, tivesse um menor risco de dar resultados “falso positivos” que frequentemente levam a mais exames e tratamentos desnecessários. Tarefa que é complicada pela necessidade de distinguir entre mutações realmente derivadas de um câncer das variantes genéticas normais herdadas no DNA.
Velculescu explicou que à medida que a células sanguíneas se dividem, por exemplo, há uma chance de que algumas delas tenham erros ou mutações. Em uma pequena fração das pessoas, estas mutações vão fazer com que as células sanguíneas se multipliquem mais rápido, potencialmente deixando-as em uma condição “pré-leucêmica”. Mas, na maior parte das vezes, estas alterações não levam ao aparecimento de um câncer.
Além disso, os cientistas tiveram que encontrar uma maneira de descartar mutações na chamada “linha germinativa”. Isto porque, embora estas mutações sejam de fato alterações no DNA, elas ocorrem como um resultado natural das variações entre indivíduos, e normalmente não estão ligadas a tipos particulares de câncer.
Para desenvolver no novo teste, Velculescu e sua equipe obtiveram amostras de sangue de 200 pacientes com câncer de mama, pulmão, ovário e colorretal. Eles então procuraram nas amostras mutações em 58 genes que já foram amplamente associadas a diversos tipos de câncer. No geral, os cientistas conseguiram detectar 86 de 132 (62%) dos casos de câncer nos estágios I e II, os iniciais. Além disso, o exame não apontou quaisquer mutações ligadas ao câncer em amostras adicionais de 44 indivíduos saudáveis.
Mas apesar destes resultados iniciais promissores, os cientistas tiveram que validar os achados de seu exame. Assim, Velculescu e equipe realizaram o sequenciamento genético de tumores removidos de cem dos 200 pacientes testados, mostrando que em 82 (82%) as mutações em seus tumores se correlacionaram com as alterações genéticas encontradas no sangue.
O teste desenvolvido na Johns Hopkins usa um tipo de sequenciamento genético que os pesquisadores chamam de “sequenciamento com correção de erro de alvo”. Este método é baseado no chamado “sequenciamento profundo”, em que cada código químico no DNA é “lido” 30 mil vezes.
– Estamos tentando achar uma agulha no palheiro, então quando encontramos uma alteração no DNA, queremos ter certeza que ela é o que pensamos que seja – disse Velculescu.
Este tipo de “sequenciamento profundo”, cobrindo mais de 80 mil pares-base do DNA (as “letras” do nosso código genético), pode ser muito caro, mas Velculescu confia no barateamento das tecnologias de sequenciamento. Alep´m disso, os cientistas procuram reduzir o número de locais no DNA a serem examinados sem prejudicar a acuidade do exame.
Segundo Velculescu, as populações que mais poderão se beneficiar do teste incluem pessoas com alto risco de desenvolver câncer, como fumantes – em quem os exames padrão de tomografia computadorizada para identificar câncer no pulmão frequentemente dão como resultado “falsos positivos” – e mulheres com mutações hereditárias para o câncer de mama e ovário nos genes BRCA1 e BRCA2.