fonte: The NY Times

Com a chegada de duas estratégias de tratamento revolucionárias, a imunoterapia e a medicina personalizada, os pesquisadores do câncer desenvolveram novas esperanças –e um problema que talvez não tenha precedentes na pesquisa médica.

Há um excesso de medicamentos experimentais contra o câncer, e o número de testes clínicos sobre eles também é excessivo. E não há pacientes suficientes para teste.

O impasse é causado em parte por empresas que têm a esperança de acelerar a chegada ao mercado de medicamentos novos e lucrativos de combate ao câncer, e, em parte, pela natureza das novas terapias, que podem ser espetacularmente efetivas mas apenas em pacientes seletos.

Em julho, um painel de especialistas da Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana de fiscalização e regulamentação de alimentos e remédios, recomendou a aprovação de um tratamento inovador, uma nova forma de imunoterapia contra a leucemia. E empresas estão correndo para desenvolver outros medicamentos que usam o sistema imunológico do paciente para atacar o câncer.

Muitos dos medicamentos experimentais que estão em teste são bastante semelhantes. Mas cada empresa farmacêutica deseja desenvolver uma versão exclusiva, e antecipa lucros extraordinários caso seu medicamento receba aprovação da FDA.

Como resultado, existem mais de mil testes clínicos envolvendo imunoterapia em curso, e o número de testes não para de subir. “É difícil imaginar que mais de mil testes sejam sustentáveis”, disse Daniel Chen, vice-presidente da Genentech, uma empresa de biotecnologia.

Em comentário publicado pela revista “Nature”, ele e Ira Mellman, outro vice-presidente de sua empresa, escreveram que a proliferação de testes “deixou para trás o progresso que conquistamos na compreensão das questões científicas básicas”.

“Acredito que estejamos diante de uma corrida exuberante ao mercado”, disse Peter Bach, diretor do Centro de Política e Resultados de Saúde do Memorial Sloan Kettering Cancer Center. “E estamos desperdiçando o nosso recurso mais precioso –os pacientes.”

O melanoma serve como exemplo. Há mais de 85 mil casos anuais de melanomas nos Estados Unidos, de acordo com o Norman Sharpless, diretor do Lineberger Comprehensive Cancer Center, na Universidade da Carolina do Norte, e indicado recentemente para a direção do Instituto Nacional do Câncer americano.

A maioria dos melanomas são curados por cirurgia, o que deixa cerca de 10 mil pacientes ao ano que passam por recaídas e poderiam ser candidatos a tratamentos experimentais. Mas quase todos eles serão tratados por médicos que não fazem parte dos centros médicos acadêmicos, e assim não oferecem tratamentos experimentais aos seus pacientes.

Por isso, as empresas precisam concorrer para atrair os poucos pacientes de melanoma que sofreram recaídas e estão sendo tratados em centros que oferecem testes clínicos. Muitos dos testes terminam encontrando dificuldades para obter pacientes em número suficiente para determinar se um tratamento funciona –e, se o faz, para quem.

E os medicamentos em teste muitas vezes não são assim tão diferentes uns dos outros.

Medicamentos de imunoterapia que atacam uma proteína humana conhecida como PD-1 foram aprovados para o tratamento de câncer pulmonar, das células renais e da bexiga, e para a doença de Hodgkins, diz o Richard Pazdur, diretor do Centro de Excelência Oncológica da FDA.

Mas muitas companhias farmacêuticas querem um remédio exclusivo contra a PD-1. Elas esperam combinar medicamentos de imunoterapia com outros remédios contra o câncer, para amplificar seus efeitos, e muitas não desejam depender do medicamento de um concorrente contra a PD-1, em companhia dos medicamentos secundários que elas mesmas desenvolvem.

Assim, em novos testes, medicamentos diferentes contra a PD-1 são testados o tempo todo contra os mesmos cânceres –uma estratégia de negócios repetitiva levada a extremos que acarretam custos multibilionários.

“De quantos anticorpos para a PD-1 o planeta Terra precisa?”, indagou o Roy Baynes, vice-presidente sênior do grupo farmacêutico Merck, que recebeu aprovação para seu primeiro medicamento do tipo em 2014.

Os testes de imunoterapia proliferaram com tamanha rapidez que grandes centros médicos estão se recusando a indicar novos pacientes para participar deles. O Centro de Câncer da Universidade Yale participa de menos de 10% dos testes de imunoterapia para os quais é convidado.

O problema é que muitos dos testes são desinteressantes de um ponto de vista científico, disse Roy Herbst, chefe de oncologia médica do centro. As empresas que patrocinam esses testes não estão tentando responder a novas questões de pesquisa, ele disse. Estão só tentando obter aprovação para medicamentos exclusivos.

Se a luta por encontrar pacientes para testes de imunoterapia é um desafio, obter pacientes para outro tipo novo de tratamento contra o câncer pode ser quase impossível.

Trata-se de medicamentos que atacam as mutações de que os tumores precisam para crescer e prosperar –um método conhecido como terapia direcionada. A ideia é que os tumores em muitos casos dependem de certas mutações genéticas. Se essas mutações forem bloqueadas, os tumores morrerão.

O problema é que as mutações podem ser extraordinariamente raras. A maioria dos pacientes que portam cânceres associados às mutações em questão não sabem disso; para identificá-los, grandes grupos de pacientes de câncer precisam passar por testes genéticos de seus tumores.

Isso custa caro. Sequenciamentos genéticos custam cerca de US$ 5 mil por paciente, e as empresas de planos de saúde raramente cobrem esse custo. A maioria dos pacientes tratados fora dos centros acadêmicos de pesquisa não passa por um sequenciamento genético de seus tumores.

O que fazer, portanto, quando uma empresa tem um medicamento que parece ser dramaticamente efetivo mas apenas para alguns poucos pacientes?

Pode ser necessário buscar participantes para o teste no mundo inteiro, e o processo pode demorar anos.

Para testar uma combinação de dois remédios contra o câncer do pulmão, a GlaxoSmithKline buscou pacientes nos Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Europa durante 13 meses, e só identificou 59 cujos tumores compartilhavam de uma mutação rara.

A Pfizer precisou de três anos para localizar 50 pacientes de câncer de pulmão portadores de uma aberração rara chamada ROSI, identificada em apenas 1% dos pacientes da doença.

Testes clínicos com buscas de pacientes longas como essas “não são para os fracos”, disse Mace Rothenberg, vice-presidente sênior da Pfizer.

Um fator positivo é que a FDA não vem insistindo em testes em larga escala, com grupos de controle, quando o objeto são terapias direcionadas para as quais poucas pessoas se qualificariam.

Em lugar disso, a agência está em busca de medicamentos com efeitos tão poderosos que não haja dúvidas de que funcionam –estudos nos quais pacientes participantes tenham entrado em remissão, por exemplo, quando todos os indicadores eram de que morreriam.

“Ainda recentemente, tínhamos testes com 700 pacientes por ramo”, disse Sharpless, fazendo referência aos grupos de tratamento em um estudo. “Isso é quase impossível, hoje.”

Agora, ele disse, “há testes com apenas oito pacientes”.

Para testar um medicamento que ataca um tumor que porta uma mutação encontrada em apenas 1% dos pacientes de câncer, pesquisadores do Memorial Sloan Kettering recorreram a centros de tratamento não acadêmicos, que respondem pelos cuidados à maioria dos pacientes, e identificaram pacientes portadores da variação em hospitais no vale de Lehigh, Pensilvânia; em Hartford, Connecticut; e em Miami.

Foi assim que Bruce Fenstermacher, 67, caminhoneiro aposentado que vive em Allentown, Pensilvânia, descobriu ser portador de uma rara mutação que um fabricante de remédios, a Loxo Oncology, vinha buscando.

Ele estava sendo tratado de seu melanoma por meio de imunoterapia, mas o tratamento deixou de funcionar e seu câncer havia voltado a se expandir. Descobrir a mutação foi como ganhar na loteria, para Fenstermacher, disse Suresh Nair, oncologista da Lehigh Valley Health Network.

O remédio experimental parece estar funcionando para Fenstermacher. Mas porque tão poucos pacientes portam tumores que responderiam ao medicamento em questão, os oncologistas não sabem como os localizarão.

Será que vale a pena procurá-los? E será que é possível encontrá-los?

“Se, Deus não permita, eu tivesse um parente com câncer, insistiria em testes desse tipo”, disse David Hyman, diretor do serviço de desenvolvimento inicial de medicamentos no Memorial Sloan Kettering Cancer Center. “Mas não sei qual é o número de pacientes necessário para que a sociedade diga que não podemos perder essas pessoas.”

E testes envolvendo número limitado de pacientes podem ser perigosos. Quanto menor o estudo e mais curta sua duração, maior a probabilidade de que algo que parece ser efeito do tratamento seja na realidade obra do acaso, disse Bach.

“Isso faz com que alguns de nós, obcecados por resultados concretos, questionem se o tratamento funciona”, ele acrescentou.

Alguns dos novos medicamentos contra o câncer obtiveram resultados tão impressionantes que sua efetividade já não está em dúvida, disse Vinay Prasad, oncologista da Universidade de Saúde e Ciências do Oregon.

Mas também existem casos de medicamentos aprovados em testes sem grupo de controle que não oferecem benefícios tão deslumbrantes, e outros testes em que os medicamentos retardaram o crescimento dos tumores mas não estenderam a vida dos pacientes.

Em estudos com número minúsculo de participantes, efeitos colaterais podem passar despercebidos, disse Scott Ramsey, oncologista do Centro Fred Hutchinson de Pesquisa do Câncer.

Ele se preocupa com as despesas relacionadas aos novos medicamentos, o que inclui os custos para os pacientes. Pode ser que interesse a eles que os novos medicamentos cheguem ao mercado, “mas é possível questionar se isso lhes dá alguma vantagem”.