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A baixa remuneração foi o principal motivo que levou os cubanos Raul Vargas, 51 anos, e Okanis Borrego, 29 anos, a abandonarem o programa Mais Médicos nesta terça-feira (3). Além disso, Vargas revelou que ele e todos os colegas precisavam pedir permissão para ir e vir.

— Éramos vigiados por um representante do governo e precisávamos pedir permissão para qualquer deslocamento, mesmo que fosse um passeio em alguma cidade próxima e fora do horário de trabalho. Além disso, tínhamos que comunicar ao chefe se iria receber visita de amigos ou familiares.

Desde novembro de 2013 no Brasil, Vargas e Okanis começaram a exercer a profissão um mês depois de sua chegada. Eles foram trabalhar em Senador José Porfírio [município de 13 mil habitantes], no Pará, e ganhavam US$ 400 (R$ 933), conta Vargas.

— O dinheiro só dava praticamente para a alimentação. Se a gente quisesse comprar alguma roupa, por exemplo, tinha que comer menos.

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Os dois médicos dividiam a mesma casa com outros dois cubanos e as despesas de aluguel e luz eram bancadas pela prefeitura da cidade. Eles também recebiam uma ajuda de alimentação no valor de R$ 500, mas, segundo eles, não era suficiente.

Vargas conta que quando chegou ao Brasil não sabia que iria ganhar menos do que os outros profissionais do Mais Médicos.

— Para nós, US$ 1.000 é muito dinheiro, por isso resolvemos nos inscrever para a missão no Brasil. Foi Ramona [cubana que largou o Mais Médicos em fevereiro] que abriu nossos olhos e mostrou a realidade: que os médicos do programa ganhavam R$ 10 mil. Até então, não sabíamos.

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Para o médico, eles são tratados como mercadoria em Cuba, já que o país forma muitos profissionais e exporta para outros países.

— Penso que Cuba forma muitos médicos com o objetivo mercantilista, para ganhar dinheiro.

Okanis, que deixou pai, mãe e irmão no país, conta que se engravidasse de um brasileiro teria que voltar para Cuba.

— Outra situação é que se eu casasse com brasileiro deveria cumprir as leis cubanas, mesmo morando aqui.

Ambos admitem ter muito medo do que possa acontecer com suas famílias. Vargas, que é casado e tem dois filhos, teme que o mais velho seja impedido de estudar.

— Minha filha tem 17 anos e está prestes a entrar para a faculdade. O problema é que todas são públicas e o governo pode impedi-la de estudar.

Segundo os cubanos, as famílias ainda não sabem que eles abandonaram o programa. Por meio do departamento jurídico da AMB (Associação Médica Brasileira), os médicos entraram com o pedido de refúgio no Brasil, o que garante que eles não sejam deportados até serem julgados.

— Já queria deixar Cuba há muito tempo. Meu objetivo é exercer a profissão no Brasil e ser remunerado como os colegas brasileiros, não importa em qual cidade.

Segundo Florentino Cardoso, presidente da AMB, enquanto os profissionais não fazem o exame Revalida, devem trabalhar na área administrativa.

— Qualquer médico estrangeiro é bem-vindo em nosso País, desde que faça o Revalida. É o que qualquer país sério faz.

De acordo com Cardoso, cerca de 30 médicos procuraram a AMB para saber mais informações sobre o Programa de Apoio ao Médico Estrangeiro.

Outro lado

Em nota, o Ministério da Saúde informou que “assim como todos os participantes do programa Mais Médicos, os médicos cubanos também estão sujeitos às leis do Brasil. Eles são livres para viver sua vida privada, inclusive no que diz respeito a relacionamentos pessoais com cidadãos brasileiros. Os profissionais não sofrem qualquer tipo de coerção por parte do governo brasileiro, que respeita as liberdades individuais de brasileiros e de estrangeiros.”

De acordo com o ministério, dos 11.100 médicos cooperados que estão em atividade, sete foram desligados devido a ausência injustificada ao trabalho, cinco estão em processo de desligamento e dois estão sendo notificados nesta terça-feira (3), totalizando 14 casos (o equivalente a 0,1% do total de cooperados).

Em relação aos demais participantes, 131 brasileiros (o equivalente a 8,4%) e 9 intercambistas de outras nacionalidades (o equivalente a 0,8%) desistiram do programa. De um total de 13.700 médicos em atuação, 154 participantes (1,1% do total) estão nessas condições.