fonte: SBP

Os critérios diagnósticos para crianças com disforia de gênero (transtorno caracterizado pela desconformidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero) compõem parte importante de documento científico divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O texto Disforia de Gênero, produzido pelo Departamento Científico de Adolescência da entidade, traz uma atualização sobre o tema e tem como objetivo assegurar o correto atendimento e encaminhamento dos pacientes.

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A presidente da SBP, dra Luciana Rodrigues Silva, está preocupada com a forma sensacionalista que essa temática tem sido tratada recentemente pela mídia. Ela ressalta a complexidade desse transtorno, cujo diagnóstico definitivo depende do envolvimento de uma equipe multidisciplinar. Ela alerta os profissionais e as famílias para o risco de decisões intempestivas e para o uso indevido de medicamentos, como o emprego precoce de hormônios sem a devida orientação clínica. “Esse assunto não pode ser visto como um fenômeno de moda. É necessário extrema cautela e zelo, pois há o risco de consequências negativas decorrentes de ações impensadas”, ressaltou.

Na visão da presidente, o fato da disforia de gênero estar sendo tratado em uma novela de grande audiência tem um aspecto positivo, que é o de levar a sociedade a refletir sobre questões que, muitas vezes, são tabus no ambiente familiar. Por outro lado, na mesma novela outro episódio mostrou uma personagem adquirindo um hormônio numa academia, comportamento muito perigoso de automedicação e de compra ilícita, sem qualquer orientação médica.

“A falta de orientação adequada pode banalizar e prejudicar muita gente, que podem tomar como verdades fatos que não seguem os processos científicos e ainda não observar a época adequada para serem indicados ou a falta de equipe multidisciplinar para o acompanhamento”, disse. Segundo a dra. Lcuaiana, esse documento da SBP ajuda a preencher essa lacuna e deve ser de leitura obrigatória para pediatras e outros interessados no tema.

IDENTIDADE DE GÊNERO – Segundo o estudo, é impossível prever se uma criança com sinais de desconformidade entre o sexo biológico e a identidade de gênero persistirá com esse problema na adolescência e na vida adulta. Pesquisas mostram que cerca de 90% das crianças voltam a ficar satisfeitas com o gênero biológico próximo à adolescência. Apenas em alguns indivíduos – chamados transgêneros ou transexuais –, porém, permanece a percepção de incongruência entre o sexo biológico (características genitais presentes ao nascimento) e a identidade de gênero.

De acordo com o documento, por volta do segundo ano de vida as crianças já conseguem se identificar como meninos ou meninas e apresentam brincadeiras relacionadas ao seu gênero. Entre os dois e três anos, no entanto, é que tem início a construção da identidade de gênero que, segundo o texto, é uma experiência pessoal e profunda que abarca aspectos emocionais, psíquicos, culturais e sociais. Entre os 6 e 7 anos, as crianças passam a ter consciência do seu gênero e de que ele permanecerá o mesmo.

Para o presidente do Departamento Científico de Endocrinologia da SBP, dr. Cresio Alves, a disforia de gênero é revestida de inúmeros preconceitos, os quais invariavelmente afetam e interferem negativamente na vida das crianças e adolescentes. “É fundamental promover o acolhimento integral dos pacientes e seus familiares na diversidade. Por isso a SBP se voltou para este tema, que suscitou tanto interesse dos participantes do 12º Congresso Brasileiro Pediátrico de Endocrinologia e Metabologia (12º Cobrapen), realizado em maio deste ano pela SBP”.

ACOMPANHAMENTO MULTIPROFISSIONAL – “Cada caso que se apresenta é único e, por isso, os pediatras não devem fazer indicações de condutas sozinhos. É necessário acompanhamento por equipe experiente – pediatra, psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, assistente social, cirurgião, educador, enfermeiro e fonoaudiólogo. O pediatra deve ter tranquilidade para ouvir as questões e apoiar o paciente de modo individualizado”, afirma a presidente do DC de Adolescência, dra. Alda Elizabeth.

O trabalho aponta a importância da aceitação de gêneros variantes e a construção de um suporte social para saúde e o bem-estar para reduzir o estresse desses nesses casos. De modo geral, o tratamento se baseia em psicoterapia, tratamento hormonal – somente em casos em que há indicação médica –, e intervenção cirúrgica, em casos específicos e após a maioridade do paciente. O estudo da SBP traz ainda uma série de critérios diagnósticos estabelecidos na 5ª edição do Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5) da Associação Americana de Psiquiatria (APA) para a classificação da incongruência de gêneros em crianças e adolescentes.

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PARECER DO CFM – Em 2013, o Conselho Federal de Medicina (CFM) também se manifestou sobre o assunto. Diagnosticar transtornos de identidade de gênero (TIG) é uma atribuição médica de elevada responsabilidade que depende da atuação eficaz de qualificada equipe multidisciplinar. Através do Parecer nº 8/13, o CFM orienta a conduta a ser adotada no tratamento com terapia hormonal para travestis e transexuais desde a infância até a fase adulta.

ACESSE A ÍNTEGRA DO PARECER CFM Nº 8/2013

A procura pela transexualização demandou do Ministério da Saúde a regulamentação desse processo e a instituição de unidades de atendimento especializadas no Sistema Único de Saúde – SUS (Portarias SAS 457/08 e GM 1707/08). Na mesma linha, o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais de São Paulo publicou o protocolo de cuidados à saúde integral para travestis maiores de 18 anos. Apesar da disforia de gênero ser mais presente na idade adulta, o Parecer 08/2013 orienta que – quando o transtorno for confirmado por atender completamente os critérios diagnósticos do transexualismo, o tratamento hormonal deve ser iniciado na fase pré-púbere para supressão da puberdade do sexo de nascimento.

O diagnóstico de transtornos de identidade de gênero exige o envolvimento de médicos clínicos, pediatras, endocrinologistas e profissionais da saúde mental. Relator do parecer, dr Lúcio Flávio Gonzaga Silva ressalta que, “caso os pacientes sejam mais jovens, é preciso que todos os profissionais tenham treinamento em psicologia do desenvolvimento da criança e do adolescente. Os cuidados são necessários, pois diagnósticos inadequados podem ser desastrosos”.

Caso a disforia persista até os 16 anos, o CFM recomenda que a puberdade do gênero desejado seja, a partir de então, gradativamente induzida conforme protocolos detalhados no Parecer nº 8/13. Ressaltando que os pacientes devem ser informados até um nível adequado de compreensão sobre os riscos do tratamento de cada estágio terapêutico para que o consentimento seja válido.

A indisponibilidade de tratamento hormonal para transtornos de identidade de gênero pode ser questionada tanto ética quanto legalmente, cabendo salientar que pré-adolescentes e adolescentes precisam também do consentimento dos pais. Ao médico também é permitido recusar-se a fazer o procedimento por objeção de consciência. Para casos de intervenções médico-cirúrgicas, devem ser atendidos os critérios definidos na Resolução CFM nº 1.652/12 como o prazo mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico anterior à cirurgia, maioridade e diagnóstico de transexualismo.

ACESSE A ÍNTEGRA DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1.955/2010  

 

ACOLHIMENTO NO SUS – Atualmente, existem no Brasil, na rede pública de saúde, serviços ambulatoriais especializados destinados ao atendimento de travestis e transexuais no processo transexualizador. Estes serviços devem oferecer acolhimento e acesso com respeito aos serviços, desde o uso do nome social, passando pelo acesso à hormonioterapia, até a cirurgia de adequação do corpo biológico à identidade de gênero e social. Além disso, no campo ambulatorial, inclui-se terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré e pós-operatório.

Entre 2008 e 2016, ao todo, foram realizados 349 procedimentos hospitalares e 13.863 procedimentos ambulatoriais relacionados ao processo transexualizador. Para ambos os gêneros, a idade mínima para procedimentos ambulatoriais é de 18 anos. Para procedimentos cirúrgicos, a idade mínima é de 21 anos. Após a cirurgia, deve ser realizado um ano de acompanhamento cirúrgico.