fonte: O Globo
Com dificuldades de se movimentar e desorientado, o aposentado José de Aguiar, de 88 anos, peregrinou na manhã de terça-feira por quatro horas até conseguir ser atendido no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier. Ele foi recusado no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Ricardo de Albuquerque e de Madureira. Diante do diagnóstico de acidente vascular cerebral, o paciente conseguiu a 101ª vaga na superlotada emergência do hospital, que tem capacidade para apenas 36 doentes.
— O meu pai com AVC, e eu tive que passar por tudo isso. Gente, cadê o dinheiro dos meus impostos? O meu pai não é bicho. Eu pago imposto, sou uma contribuinte — desabafa Marilândia Guimarães, de 61 anos, filha do aposentado.
O idoso foi levado para a sala vermelha, onde ficam os doentes em estado muito grave. No setor, há quatro vagas, mas José foi o décimo paciente internado. As salas amarelas, uma para homens e outra para mulheres, também estavam superlotadas. A demanda por atendimento é tão grande que os pacientes também ocupam o corredor principal da emergência, onde a equipe do GLOBO contou 18 pacientes. Havia desde vítimas de AVC até quem aguardava a cirurgia para a retirada de pedra da vesícula. O caos do setor pode ser percebido até mesmo na falta de roupa de cama para os doentes.
Mas o drama de quem depende da saúde pública não para por aí. Uma médica que estava de plantão contou que constantemente falta material básico, como algodão e luvas:
— Esse paciente (o aposentado José de Aguiar) não é da área do Salgado Filho, mas o hospital não pode se negar a atender. Os hospitais estaduais estão em condições precárias, e o resultado é a superlotação aqui. Enfrentamos aqui uma operação de guerra, o que só é possível graças à dedicação dos funcionários.
ALÉM DA SUPERLOTAÇÃO, FALTAM INSUMOS
Membro da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores do Rio, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) esteve terça-feira no Salgado Filho e constatou a falta de 56 itens no hospital, como álcool em gel, álcool etílico, sabonete para banho dos pacientes e o antibiótico ciprofloxacino. O estoque de agulhas para coletar sangue, algodão ortopédico e comum, lâminas de bisturi, fralda descartável e cateter venoso também estava zerado.
— A falta de insumos é grave porque, como a prefeitura suspendeu o pagamento aos fornecedores este mês, as empresas que têm valores a receber do município não querem mais entregar material — disse o vereador.
O problema não fica restrito ao Salgado Filho. A prefeitura admitiu ontem que faltam medicamentos nas 329 unidades da atenção básica (clínicas da família e centros municipais de saúde). Dos 175 itens da lista prevista para oferecer aos pacientes, 118 estão em falta, o que equivale a 67,3%. São analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios e antibióticos. Em nota, a Secretaria municipal de Saúde afirmou que já solicitou “toda prioridade na liberação de recursos para a aquisição de medicamentos e insumos, sob análise das comissões fiscais da Secretaria municipal de Fazenda”.
A agonia na rede municipal não tem remédio a curto prazo. A prefeitura enviou para a Câmara dos Vereadores um orçamento para a saúde em 2018 de R$ 4,97 bilhões, o mesmo patamar de 2016. Este ano, o setor sofreu um contingenciamento de R$ 546 milhões dentro do orçamento previsto de R$ 5,46 bilhões, segundo dados compilados pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB):
— Vejo com muita preocupação a situação para 2018, porque já temos um contingenciamento de quase R$ 600 milhões que vai continuar para o ano que vem. A saúde está no CTI. Já estamos passando por uma crise séria que tende a se agravar e se acentuar. Há uma tendência de um sistema que hoje é ruim se tornar falido no próximo ano.
O cenário do setor da Saúde fica ainda mais claro quando analisados os orçamentos para os grandes hospitais municipais, que já começam a cancelar cirurgias eletivas, segundo o vereador Paulo Pinheiro. Para 2018, o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, terá seu o orçamento reduzido de R$ 257 milhões para R$ 209 milhões, uma redução de 18%. O corte no Miguel Couto, na Gávea, será R$ 33 milhões, passando dos atuais R$ 199 milhões para R$ 166 milhões. O Salgado Filho poderá perder R$ 9,3 milhões (de R$ 171,8 milhões passaria para R$ 162,5 milhões). Os dados estão no Projeto da Lei Orçamentária Anual, elaborado pelo Poder Executivo.
A Secretaria municipal de Saúde afirmou que “o orçamento para 2018 ainda não foi votado pela Câmara, portanto o que existe até o momento é uma proposta que precisa passar pelo Legislativo”. O órgão informou ainda que o Salgado Filho enfrenta um aumento de demanda em função da crise nas unidades de saúde estaduais e federais, das pessoas que perderam seus planos de saúde e da alta procura de pacientes que moram em outras cidades.