fonte: CREMESP
por José Dínio Vaz Mendes e Olímpio J Nogueira V Bittar – médicos especialistas em Saúde Pública
O que há de comum entre situações como as seguintes: clínica de diálise que causa morte de pacientes por contaminação da água; grávidas (sem querer) que utilizaram anticoncepcional com defeitos de fabricação; trabalhadores com grave doença pelo uso de matéria prima específica em processo industrial; infecções hospitalares resistentes aos antibióticos;bolachas com quantidade de sal exagerada; qualidade da água de consumo humano;surfista viajante com sarampo;realização de campanha de vacinação; busca de focos de mosquitos em espaços públicos e privados; preparação para eventos multinacionais como a Olimpíada ou a Copa do Mundo?
O Sistema Único de Saúde (SUS) atende75% da população, os 25% restantes possuem algum plano privado (sistema de saúde suplementar). Estes números ocultam parte importante do SUS, a vigilância em saúde,que continuamente trabalha pela saúde de 100% dos cidadãos, em situações como as apontadas anteriormente.
São questões de interesse da saúde no âmbito coletivo ou público,estudando os condicionantes de saúde e doença, desenvolvendo medidas de promoção, proteção, prevenção,controle e redução de riscos à saúde referentes a situações,agravos e doenças.
Uma de suas vertentes, a vigilância epidemiológica busca o controle de doenças específicas, muitas transmissíveis,selecionadas pelo seu possível impacto sobre as comunidades, utilizando instrumentos como a notificação compulsória de doenças (doenças com grande risco são objeto de investigação internacional e devem ser notificadas à Organização Mundial de Saúde (OMS), como a influenza humana (gripe)quando causada por um novo subtipo viral; alguns tipos de febres hemorrágicas virais, entre outras);métodos de detecção e tratamento precoce dos pacientes; instituição de esquemas terapêuticos e profiláticos padronizados;medidas de amplo alcance, como as vacinações (de rotina ou em campanhas).
A vacinação erradicou a varíola (em 1973, o Brasil ganhou certificação internacional pelo sucesso no combate da doença,com alta mortalidade). Em 1968 foi publicada a primeira norma de vacinação do Estado de São Paulo antecipando-se ao Programa Nacional de Imunizações(PNI), iniciado em 1973, do Ministério da Saúde e ao Programa Ampliado de Imunizações (PAI), proposto em 1974 pela OMS. As boas coberturas e a amplitude do programa de imunização permitiram a eliminação da poliomielite em 1989, bem como o controle ou redução do sarampo, da rubéola, da meningite por Haemophilus influenzae B, da gripe entre idosos, entre outras.
Outros países, inclusive ricos, não conseguiram ampliar as coberturas vacinais e reduzir algumas destas doenças, razão pela qual a vigilância fica atenta aos viajantes internacionais, como, o exemplo do surfista com sarampo voltando ao Brasil e, inadvertidamente, contaminou outras pessoas.
Lamentam-se as atitudes daqueles que, por pura ignorância, fazem campanha contra as vacinas nas redes sociais: não estamos livres destas doenças e sem a cuidadosa manutenção da vigilância e das coberturas vacinais, certamente os casos retornarão, com todo seu séquito de mortes e sequelas.
Não se pode relaxar a vigilância, pois existe a possibilidade de introdução de doenças não existentes no país, caso recente da zika e da chikungunya. Daí a importância da vigilância em grandes eventos de massa, como a Copa do Mundo: aviões podem levar rapidamente novas doenças de um lado a outro do mundo. Ainda, o agravamento de doenças pré-existentes, o desenvolvimento de resistências microbianas aos antibióticos, fato que ocorre com o bacilo da tuberculose egermes responsáveis por infecção hospitalar.
Recentemente a vigilância epidemiológica tem abordado o problema de doenças crônicas, violências e outros problemas e agravos de saúde coletiva, no sentido de levantar informações que possam orientar políticas públicas (sistema do VIGITEL, vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico).
A vigilância sanitária realiza ações capazes de diminuir ou prevenir riscos à saúde decorrentes do ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços do interesse da saúde. Abrange o controle de bens de consumo (em todas as etapas da produção até o consumo final) bem como o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.O número de mortes provocadas pela falta de qualidade de água utilizada em uma clínica de diálise ocorrido na década de noventa no Brasil demonstra a importância da vigilância sanitária de processos complexos realizados na área de saúde.
Todos que adquirem medicamentos esperam receber exatamente o que o laboratório produtor informa. Sem monitoramento do processo de produção, armazenamento e dispensação, nem sempre isto acontece. O mesmo vale para materiais e equipamentos médico-hospitalares e odontológicos, produtos agrícolas, alimentos e água de consumo, e outros produtos para consumo. Até o descarte de materiais no ambiente, como os radioativos, pode ter graves consequências para a saúde (exemplo do Césio – 137 em Goiânia).
Importante atuação da vigilância sanitária contra os efeitos maléficos do tabagismo ocorreu após a edição da Lei nº 13.541, de 07 de maio de 2009, do Estado de São Paulo garantindo implantação de ambientes livres de fumo. O sucesso da nova lei contou com participação de órgãos públicos e não governamentais e de bom sistema de comunicação, razão pela qual foi bem aceita pela comunidade, conseguiu resultados e, a continua vigilância, vem garantindo benefícios aos usuários dos estabelecimentos de uso comum (clientes e trabalhadores).
O controle ambiental, de edificações, da qualidade de alimentos, de saneamento do meio e do ambiente e processo de trabalho são outras áreas com grande atuação da vigilância sanitária. A redução e controle no uso de agrotóxicos que podem causar graves doenças nos trabalhadores ou a proibição de utilizar o asbesto (amianto) em processos industriais, pois provoca graves doenças pulmonares, inclusive câncer, são exemplos dramáticos.
Portanto, abarcando um grande conjunto de atividades, nem sempre glamorosas como os tratamentos médicos de ponta realizados em centros de alta tecnologia (com custos igualmente altos), a vigilância produz impacto profundo sobre a saúde de todos, em geral com custos mais baixos que a assistência médica propriamente dita. É uma área de responsabilidade pública exclusiva e o aperfeiçoamento de suas atividades é de interesse de todos.