fonte: Folha de SP
por Claudia Collucci – repórter especializada em Saúde
Tenho dois primos e cinco amigos que carregam as sequelas da paralisia infantil. Por sermos da mesma faixa etária, sempre penso que poderia também ter sido vítima dessa doença cruel.
Por isso, causa-me arrepios a baixa imunização contra a pólio que o país vem registrando: 312 cidades não vacinaram nem metade das crianças menores de um ano em 2017.
Isso é muito grave porque houve a circulação do vírus em 23 países nos últimos três anos. Um dos casos, na nossa vizinha Venezuela.
O sarampo, que voltou a circular no Brasil após ter sido eliminado, já mostrou que para vírus não há fronteiras. Casos importados também da Venezuela e de brasileiros não-imunizados está contribuindo para um surto no Norte do país.
Em relação à poliomielite, o país completará no próximo ano três décadas desde que o último caso de do vírus selvagem foi registrado, em Souza (Paraíba). É bom lembrar que entre as décadas de 60 e 80 foram cerca de 27 mil casos no Brasil.
O Ministério da Saúde diz que a erradicação da pólio criou uma falsa sensação de que a vacinação não é mais necessária. Além disso, grupos antivacina avançam no país e no mundo.
Por mais que eu tente não consigo entender o que passa pela cabeça de famílias que deliberadamente escolhem não vacinar seus filhos contras doenças que podem matá-los ou deixá-los com sérias sequelas.
Talvez fosse necessário reavivar a memória de um passado não muito distante mostrando as imagens devastadoras dos pavilhões de crianças paralisadas nos hospitais públicos, nos chamados de “pulmões de aço”, como podemos ver na foto acima.
Inventada na década de 1920, a máquina parecia um forno. As crianças com insuficiência respiratória causada pelo vírus da pólio eram colocadas dentro dela, com a cabeça de fora.
Quem quiser conhecer um pouco mais sobre esse triste capítulo da história da saúde pública brasileira ou, quem sabe, presentear uma amiga antivacina sugiro o livro “Pulmão de Aço – uma vida no maior hospital do Brasil” (Belaletra Editora), escrito pela incrível ElianaZagui, que vive há 42 anos em um leito de UTI do do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Entre 1955 e o final da década de 70, 5.789 crianças vítimas de paralisia infantil foram internadas no HC. Muitas morreram. Eliana, 44, e Paulo Machado, 49, seu amigo de quarto, ambos dependentes de respiração artificial, foram os únicos sobreviventes de uma turma de sete crianças internadas na UTI que se tornaram amigos.
A vacinação das crianças é algo que vai além de uma opção pessoal. É uma questão de saúde pública. Com a queda da imunização, criam-se grupos de pessoas suscetíveis, que possibilitam a circulação de vírus e bactérias.
Isso vai afetar não só aqueles escolheram não vacinar seus filhos mas também os que não podem ser imunizados por razões de saúde ou de bebês que ainda não estão idade para a vacinação. Portanto, quanto mais gente imunizada, mais haverá a chamada “imunidade de rebanho”.
Sozinhas, talvez a ação das equipes de vigilância epidemiológica, as campanhas públicas de saúde e os alertas feitos por especialistas e empresas de jornalismo profissional não deem conta de evitar a volta da pólio. O volume de bobagens perigosas que circulam nas redes sociais disseminando medos, mitos e mentiras sobre vacinas é imenso.
Por isso, são necessárias ações multissetoriais, a começar por escolas e creches exigindo o certificado atualizado de vacinação. Polícias, Ministério Público e Justiça também precisam ser acionados punindo os que atentam contra a saúde pública e disseminam notícias falsas sobre vacinas.
Talvez, com um esforço coletivo, ainda dê tempo de impedir que crianças inocentes sejam vítimas da irresponsabilidade e ignorância alheias.