fonte: O Globo
por Élio Gaspari
Os diretores da Agência Nacional de Saúde poderiam salvar suas biografias indo para casa. Basta que anunciem sua disposição de deixar os cargos no primeiro dia de mandato do novo presidente. Não devem fazê-lo agora porque seriam substituídos por farinha do mesmo saco. Na sua composição oficial, o presidente da ANS foi nomeado graças aos bons ofícios do senador Romero Jucá. Seu colega Eunício Oliveira nomeou três e Ciro Nogueira ficou com um.
Em junho passado, a ANS baixou uma norma que entraria em vigor em dezembro, aumentando em até 40% o valor da coparticipação de 24 milhões de vítimas no custeio de procedimentos médicos. Os diretores que aprovaram a medida e depois a revogaram devem ir embora antes do fim de seus mandatos porque expuseram o mafuá que orienta suas decisões.
A medida foi combatida, mas até aí seria o jogo jogado. Semanas depois, a presidente do Supremo Tribunal Federal bloqueou-a. Defendendo-se, Rodrigo Aguiar, um dos diretores da Agência, disse: “A ANS foi criada para proteger o sistema de saúde suplementar. Obviamente, na nossa regulação, a gente considera a vulnerabilidade do consumidor, mas a gente não é um órgão de defesa do consumidor.”
Em tese, “a gente” poderia até ter razão, mas um estudo do Ministério da Fazenda acertou na mosca quando viu a “possibilidade de formação de conluio entre as firmas para influenciar o resultado” e condenou a “dificuldade de acesso a informações de custos resultantes da competição dos agentes”. Em apenas 24 palavras, matou a charada.
Os custos hospitalares, viga mestra dos pedidos de reajuste das operadoras, são hoje uma grande caixa-preta. Felizmente, assustou grandes corporações que oferecem planos de saúde aos seus empregados, e disso resultou o surgimento de empresas que fiscalizam as contas hospitalares. A maior delas, infelizmente, mantém seus dados sob sigilo para o público. Mesmo assim, a repórter Cristiane Segatto pescou casos exemplares: em 18% de casos de diagnósticos de sinusite, coisa que pode ser resolvida com uma radiografia (R$ 33, na média), fizeram-se tomografias (R$ 240). Em 30 mil contas emitidas entre 2013 e 2017, acharam-se cobranças pelo uso de um equipamento hospitalar durante um período superior ao da internação do paciente. Valor do truque: R$ 24 milhões. Em 2015 alguns hospitais fizeram 100% de suas 364 cirurgias de quadril usando um material que encarecia em 64% o custo do procedimento. O uso do material seria razoável em 10% dos casos.
As operadoras acabam mal faladas porque vivem numa cultura de preguiça, sem discutir publicamente os custos hospitalares. Basta lembrar que há dezenas de hospitais onde os pedidos de ressonâncias magnéticas superam a taxa com que trabalha o Hospital Sírio-Libanês.
Os diretores da ANS devem ir para casa porque baixaram a norma e recuaram. Se a norma era sadia, como disseram por mais de um mês, não deveria ter sido revogada. Se o foi, não deveria ter sido baixada, muito menos defendida com argumentos de segunda classe.
Depois de ter dito que “a gente não é um órgão de defesa do consumidor”, o doutor Rodrigo Aguiar comandou o recuo reconhecendo que “a resolução causou grande apreensão na sociedade, que não a recepcionou da forma positiva.” Disse a coisa e seu contrário.
Engana-se quem acredita que o jogo terminou. A ANS informou que fará uma nova rodada de audiências públicas para discutir a questão. As operadoras e suas guildas não trabalham com essa mercadoria. Elas gostam do escurinho de Brasília. Expor os custos hospitalares, nem pensar.