fonte: Estadão
Hospitais e operadoras de saúde estão substituindo o pagamento por serviço (fee for service), modelo de remuneração predominante no sistema de saúde do País – por alternativas que tornem o custo de cada atendimento mais previsível e associado ao desempenho.
No fee for service, a conta é feita a partir de cada exame, procedimento, material, diária etc. Ou seja, o valor final varia muito e a remuneração depende do volume de serviço e material envolvido – o que pode induzir ao desperdício. Novos modelos buscam superar essa lógica. “Isso potencializa o desperdício por ineficiência ao induzir o prestador de saúde a realizar mais procedimentos, para aumentar sua remuneração”, avalia José Cechin, diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).
É o caso do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, que inaugurou há um ano uma unidade onde os procedimentos têm preço fixo. Já o Hospital Albert Einstein, também paulistano, adota desde 2017 um modelo de remuneração fixa para procedimentos de ortopedia e, há três meses, incorporou a ideia ao atendimento ambulatorial. Agora, conduz projeto-piloto para avaliar a possibilidade de pacotes com preço fixo para tratar câncer de mama.
No Rio Grande do Sul, o hospital Mãe de Deus se uniu à Unimed Porto Alegre, em 2017, para criar o Sistema UM, que prevê nova forma de pagamento, com base em Diagnosis Related Groups (DRG), metodologia que categoriza os pacientes internados segundo a complexidade assistencial, incluindo idade, diagnóstico, comorbidades e procedimentos cirúrgicos.
Hoje, boa parte do Sistema Unimed usa essa ferramenta, diz Renato Couto, sócio-diretor do DRG Brasil. Em 2017, a metodologia também foi adotada na rede SUS, em Belo Horizonte. São exemplos de um processo que tem ganhado força.
“Com a crise, os clientes não suportam mais grandes reajustes, e precisamos de soluções para que o modelo não colapse”, diz Daniel Couldry, diretor executivo de Qualidade da Amil.
A operadora instituiu, ao longo de 2017, um modelo desenvolvido pela própria equipe: o Adjustable Budget Payment (ABP). Ele prevê repasse de valor fixo, calculado com base no histórico de atendimentos do hospital. Essa verba é revisada trimestralmente, e reajustes são feitos conforme a complexidade e o volume de atendimentos. O modelo é adotado em 35 hospitais – 20 deles da própria Amil. A meta é fechar oito novos contratos este ano.
“Essa é uma fase de transição. Nosso destino final é a remuneração por valor, em que eu vou pagar o prestador pela qualidade do desfecho clínico, vendo se o paciente não teve sequelas, se ficou com dor. Vamos fazer projetos-piloto desse novo modelo, mais inteligente, ainda neste ano, para acelerar ano que vem”, diz Couldry.
O Grupo de Trabalho de Modelos de Remuneração da Agência Nacional de Saúde (ANS)também se prepara para implementar projetos-piloto que adotem formas inovadoras de pagamento. Um documento com a descrição teórica de modelos de remuneração, diz o órgão, será divulgado em breve.
Desafio
“Sabemos que não há ‘o modelo’ que vá resolver tudo. São vários, e o importante é que a opção adotada reforce o que precisa ser reforçado naquele modelo assistencial”, diz Martha Oliveira, da Associação Nacional de Hospitais Privados.
Mas, para essa mudança, é preciso que todos os atores se vejam como parte do sistema, segundo ela. “Confiança requer informação, e a gente ainda está começando a ter dados em saúde. Para esse tipo de análise, todo mundo precisa enxergar a mesma informação, com dados clínicos consolidados, circulando de forma segura.”
“Dados são cruciais”, diz Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein. Em 2017, o hospital instituiu um escritório de gestão de valor, primeiro do tipo na América Latina, para trabalhar com dados de prontuários eletrônicos. tipo da América Latina, para trabalhar com dados provenientes de prontuários eletrônicos. “O big data permite medir a prática de cada procedimento, mensurar consumo de recursos, o percentual de complicações… Aí sim, dá para medir o valor de cada tratamento. Com isso, a gente deixa de remunerar o serviço e passa a remunerar o resultado.”
Com base em análise de dados e otimização de processos, o hospital conseguiu reduzir o tempo de espera por leito em 1h20 e o tempo médio de internação de 5 para 3.16 dias. “Essa queda representa ‘novos leitos’, criados a partir da eficiência.” Mas se o tempo de internação menor se refletir numa remuneração menor, o ganho de eficiência acaba sendo “penalizado”, diz o diretor. É por isso que os pacotes, com preço fixo, vêm sendo adotados.
O modelo também ajuda a reduzir a burocracia, observa Klajner. “Hoje, cada paciente atendido na emergência é enquadrado em três níveis de custo, conforme o volume de recursos que deverá usar (exames, medicação etc.). Naquele grupo, o preço vai ser igual. Isso evita a necessidade de fazer auditoria de cada item usado, desburocratiza nossa relação com as operadoras.”
Esse ganho também foi observado no Hospital Mãe de Deus, afirma Fábio Pereira Fraga, superintendente executivo da instituição. Em 2018, o tempo médio de faturamento para os cinco DRG’s negociados no Sistema UM é de dez dias. “Antes disso, o tempo médio girava em torno de 35 dias, somando a isso o prazo de recebimento. O novo processo interno eliminou a burocracia interna de discussão e auditoria de conta e diminuiu bastante o ciclo financeiro para o hospital.”
Para o paciente, a vantagem é saber que o atendimento seguirá protocolos de alta performance, com foco em prevenir complicações, diz Paulo Vasconcellos Bastian, CEO do Oswaldo Cruz. “Se o paciente recebe alta antes, é melhor para ele. Se precisa ficar mais tempo que o previsto, o preço pago não muda.” A proposta foi financeiramente sustentável no primeiro ano da unidade Vergueiro, zona sul, onde todos os procedimentos são remunerados de forma fixa.
A padronização do atendimento traz, ainda, a possibilidade de prever melhor a quantidade e o tipo de materiais consumidos, o que se reflete em oportunidades de negociação junto aos fornecedores, afirma Bastian. Por outro lado, observou-se a necessidade de um novo modelo de gestão de equipe, já que o corpo clínico precisa se adaptar a uma forma mais homogênea de trabalho e a novas regras de pagamento. “Nosso projeto demandou um grande investimento em treinamento, em capacitação. Ele requer uma mudança cultural.”
“Trata-se de um processo normal de amadurecimento e consolidação de novos conceitos”, diz Cechin, da FenaSaúde. “Para que as propostas de mudança nas formas de pagamento possam ter êxito é essencial que se reconheçam as incertezas que qualquer mudança produz, a existência de interesses legítimos e por vezes conflitantes entre os envolvidos na cadeia da saúde. Todas essas questões precisam ser levadas em conta no momento da proposição de adoção de novos modelos.”