fonte: Estadão

O número de reclamações sobre coparticipação (cobrança por parte do procedimento) e franquia em planos de saúde aumentou 73% em quatro anos, segundo dados obtidos pelo Estado. As queixas, feitas à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), incluem insatisfação de pacientes com índices cobrados pelos planos e falta de transparência na definição desses valores. Em alguns casos, o porcentual cobrado do paciente chegou a 100% do procedimento realizado. Já as empresas dizem que porcentuais altos são a exceção e afirmam que os índices normalmente constam no contrato.

Segundo a ANS, houve 376 queixas relacionadas ao tema em 2013, ante 650 no ano passado. No mesmo período, o total de reclamações feitas à ANS caiu 12%, de 102,4 mil para 89,9 mil. A tendência de crescimento nas queixas sobre coparticipação e franquia deve repetir-se neste ano: até julho, já foram 482 reclamações, número superior ao de 2013, 2014 e 2015. Atualmente, 52% dos beneficiários têm planos com coparticipação ou franquia.

Em junho, a ANS publicou norma que fixava em 40% o porcentual máximo de coparticipação. Um mês depois, a agência recuou e suspendeu a resolução após reação negativa de usuários e entidades de defesa do consumidor. Embora não houvesse legislação que determinasse um índice máximo de cobrança, havia entendimento por parte da diretoria de fiscalização da agência de que a coparticipação não deveria exceder o índice de 30%.

A agência diz ter relatos de cobrança de porcentuais que variam de 10% a 60%. Entre beneficiários ouvidos pelo Estado, há quem teve de pagar quase o valor integral do tratamento. Foi o caso do empresário Marcos Costa, de 64 anos, diagnosticado com câncer de próstata em 2009, quando iniciou o tratamento pelo convênio. Anos depois, recebeu orientação médica de iniciar a terapia com um novo medicamento, que, inicialmente, não era coberto pela operadora. Ele entrou na Justiça e conseguiu a cobertura. Para sua surpresa, porém, passou a receber boletos mensais do convênio, a título de coparticipação, que totalizaram cerca de R$ 20 mil, justamente o valor do medicamento. “Entrei com processo de novo e consegui na Justiça o respeito que todos os clientes deveriam ter sempre.”

O tamanho do susto foi ainda maior para a pensionista Olga Pera, de 83 anos, que, após fazer tratamento contra um câncer pelo plano, recebeu uma conta de R$ 65 mil referente à cirurgia de retirada do tumor no estômago. “Eles colocaram tudo na conta: a cirurgia, as internações, a alimentação, até injeção que ela nunca tomou”, conta a filha da paciente, Claudia Pera Wohlers, de 50 anos. A família provou na Justiça que a cobrança era indevida e abusiva. “Foram cinco anos de briga na Justiça até sair a última decisão, em fevereiro deste ano. Foi um alívio”, conta.

Advogado especializado em direito à saúde e sócio do escritório Vilhena Silva, Rafael Robba afirma que a maioria dos clientes que recebem cobranças abusivas como coparticipação conseguem reverter a situação judicialmente. “Apesar de não ter uma resolução definindo o porcentual máximo, o cliente não está totalmente desprotegido: tem o Código de Defesa do Consumidor, que diz que nenhum contrato de consumo pode ter cláusulas que gerem onerosidade excessiva, e a Consu (resolução do Conselho de Saúde Suplementar) número 8, que veda estabelecer coparticipação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou fator restritor severo ao acesso aos serviços”, explica o advogado.

Casos pontuais

Para Marcos Novais, economista-chefe da Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge), os casos de porcentuais altos são a exceção. Segundo levantamento da entidade, com base em pesquisa da consultoria AON, quase 80% das operadoras praticam índices de coparticipação de até 30%. “Cobrar porcentuais altos não é interessante para a operadora porque não tem garantia de que vai receber.”

Já a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirmou, em nota, que a definição dos porcentuais é “livremente negociada entre as operadoras e os contratantes” e o índice deve constar nas cláusulas do contrato. “Mesmo assim, o beneficiário poderá consultar a operadora sobre o valor que será pago ou descontado antes de realizar o procedimento”, disse a entidade.

Plano repassa conta hospitalar de R$ 65 mil e ainda difama cliente

Quando descobriu que a mãe, idosa, estava com um tumor no estômago, a chefe de departamento pessoal Claudia Ferraz Pera Wohlers, de 50 anos, se preparou para os meses difíceis que viriam a seguir com cirurgias e internações. O que não esperava, conta ela, é que após a mãe vencer o câncer e as complicações da operação, ela ficaria com uma dívida hospitalar de R$ 65 mil e seria acusada de calote pela operadora de saúde.

Claudia havia colocado a mãe, a pensionista Olga da Silva Pera, de 83 anos, como dependente no plano de saúde que tinha pela empresa. Quando a idosa descobriu o tumor, elas decidiram fazer o tratamento pelo convênio médico que tinham direito. Como o contrato previa coparticipação, a família já esperava que teria de arcar com cerca de R$ 12 mil dos custos da cirurgia e internação, valor equivalente a cerca de 20% do tratamento. Quando viu que o convênio havia repassado o valor integral dos 30 dias que a paciente ficou internada, Claudia decidiu entrar na Justiça, mas o problema não ficou apenas na esfera financeira.

Como contestou o valor, Claudia foi alvo de retaliação e difamação por parte da operadora. “Já que o plano era corporativo, a operadora procurou os donos da empresa em que eu trabalhava, me acusaram de calote, como se eu fosse uma pessoa desonesta, e fizeram pressão para que eu fosse mandada embora. Como a minha empresa sabia de toda a história, ficou do meu lado e, então, a operadora cancelou o contrato de todos os funcionários”, conta ela.

A decisão da operadora deixou Claudia numa situação desesperadora e constrangedora ao mesmo tempo. “Primeiro, eu e minha mãe ficamos sem o plano justamente no momento que ela precisava fazer o acompanhamento pós-cirurgia. Além disso, alguns funcionários da empresa ficaram com raiva de mim porque tiveram o plano cancelado”, diz ela, que desenvolveu síndrome do pânico após o episódio.

“Você já está fragilizada pela questão da doença e a operadora faz isso. Eu só chorava”, diz ela. No processo que Claudia moveu, a Justiça considerou a cobrança abusiva e anulou a dívida. “Foram cinco anos até sair a sentença final em Brasília, na última instância. Só conseguimos resolver tudo no começo desse ano.”

Audiência pública sobre o tema ocorre no Rio, no dia 4

Após a suspensão da resolução normativa que definia as regras para cobrança de coparticipação e franquia, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reabriu a discussão do assunto e marcou para o dia 4, no Rio, audiência pública para debater os chamados mecanismos financeiros de regulação.

O objetivo é discutir e receber propostas da sociedade, entidades de defesa do consumidor e representantes do setor. Antes da publicação da norma suspensa, a ANS havia realizado uma audiência pública, duas consultas públicas e uma pesquisa aberta à sociedade sobre o tema. O órgão disse que decidiu reabrir o debate em função “da apreensão que o tema tem causado na sociedade”.

Além da possibilidade de cobrança de até 40% de coparticipação, outro ponto da resolução muito criticado pelas entidades de defesa do consumidor foi o teto mensal que os planos poderiam cobrar dos clientes a título de coparticipação ou franquia, equivalente ao valor pago pelo beneficiário como mensalidade.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), esse aspecto da regulação não foi discutido na audiência pública prévia.

A nova audiência será realizada no auditório da Secretaria de Fazenda e Planejamento, no centro do Rio, das 8h30 às 17h30. Quem quiser apresentar propostas ou apenas assistir à atividade deverá se inscrever até o dia 31/08 pelo e-mail eventos@ans.gov.br informando nome, CPF e instituição que representa. Serão disponibilizadas 180 vagas. O evento será transmitido ao vivo pelo Periscope.