fonte: O Globo
por Alfredo Guarischi, médico
Leitor amigo, não escrevo sobre a CBF ou a PF, mas parece que algo não combinado com os russos foi combinado com algum chinês, e o caso é para chamar a Polícia Federal.
Uma surpreendente portaria (2.894, de 12 de setembro de 2018) revoga a obrigatoriedade do Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nas licitações públicas para adquirir medicamentos para os pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS.
Faltando semanas para terminar sua atual gestão, o Ministério da Saúde define claramente a que tipo de sistema de saúde a população brasileira atendida pelo SUS pode ter acesso.
Vejamos.
A missão institucional da Anvisa no âmbito farmacêutico é de assegurar que os medicamentos apresentem garantia de segurança, eficácia e qualidade, daí a obrigatoriedade do respectivo registro. Os medicamentos necessitam seguir normas rígidas para poderem ser utilizados. O registro válido é uma prova de que a empresa é legalizada e atua dentro das normas da vigilância sanitária; e de que o medicamento foi submetido a avaliação quanto à sua qualidade, eficácia terapêutica e segurança.
Essa nova portaria, de final de governo, tira garantias dos pacientes do SUS, excluindo o Serviço Nacional de Vigilância Sanitária de qualquer responsabilidade de emitir o CBPF.
Os detentores de registro poderão ter duas linhas de produção, uma para atender o mercado privado e outra para atender o SUS. Seria uma retaliação da Anvisa em função da proibição da Justiça de compra da Leuginase chinesa, de eficácia ignorada, por empresas que não tinham a declaração de registro obrigatória?
Há inúmeras ações judiciais no Ministério Público Federal contra os dirigentes responsáveis pela importação desses medicamentos “mais baratos”. O argumento do menor preço é legal, mas só pode ser válido para produtos de eficácia comprovada.
Novas drogas de combate ao câncer continuam sendo importadas de laboratórios chineses e indianos não certificados internacionalmente, com o argumento da falta no mercado mundial, apesar de todo o questionamento técnico feito pela comunidade acadêmica.
Agora, no último tempo, a Anvisa formalmente declara que isso não faz parte de suas atribuições. Todos os lances, que mostram exatamente o contrário, estão disponíveis nos vídeos da cobertura realizada pelo programa Fantástico, da TV Globo, desde 2017.
A sociedade deve exigir o VAR, o árbitro de vídeo, que, com a ajuda de algum “juiz” japonês, chinês, indiano, americano ou europeu, que produzem medicamentos de qualidade comprovada e não fabricados no Brasil, possa rever esse pênalti do Ministério contra o SUS. O “jogo” estará perdido para milhares de pacientes, se essa decisão não for revogada.