fonte: O Globo
Editorial
É sabido que o país gasta muito mal e de forma injusta em saúde. O Banco Mundial, por exemplo, estima perdas anuais equivalentes a 0,3% do Produto Interno Bruto apenas por má gestão, enquanto outros 0,3% do PIB se esvaem sob a forma de subsídios estatais às despesas privadas com saúde.
Um retrato dos desperdícios por má gestão está na existência de 2.185 unidades de saúde prontas, mas que não funcionam, como revelou a GloboNews na semana passada.
Elas atestam a transformação da saúde em canteiro de obras de ocasião: prédios são erguidos, equipamentos, comprados e unidades, inauguradas — de preferência em temporadas eleitorais —, e acabam fechadas ao público, por falta de pessoal e de recursos para manutenção.
Estão trancadas 218 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e 1.967 Unidades Básicas de Saúde (UBS) na Bahia, em São Paulo, no Maranhão, no Ceará e em Minas. Custaram mais de R$ 1 bilhão. Mais grave: o número de UPAs e UBS concluídas, porém inoperantes, aumentou 93% no último semestre.
Trata-se de uma síntese do absurdo em governança num país em que sete de cada dez cidadãos dependem integralmente da assistência nos serviços públicos de saúde, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Significa que mais de 145 milhões de pessoas têm no Sistema Único de Saúde (SUS) a única forma de acesso a tratamento médico e hospitalar. Ou seja, o número de brasileiros dependentes da rede pública de saúde é 20% maior, por exemplo, do que a população do México e do Japão.
A má gestão do sistema é inaceitável. Ela facilita outras formas de desperdício de recursos públicos. Na cidade do Rio, por exemplo,existem 341 leitos de internação hospitalar que não estão sendo usados, como constatou o Ministério Público. Estão distribuídos em oito hospitais diferentes. Quem procura tratamento nessas unidades acaba em filas improvisadas nos corredores das seções de emergência.
É necessária e urgente uma ampla revisão do Sistema Único de Saúde, na perspectiva do interesse coletivo. Deveria ser “prioridade zero” de governos estaduais, partidos políticos e candidatos à Presidência da República, porque é, principalmente, um fator decisivo para a redução das desigualdades sociais.
É escapismo atribuir a gênese da baixa eficiência dos serviços públicos de saúde a um subfinanciamento do sistema. Ele existe, mas não explica a ineficácia da burocracia, loteada por partidos na última década e meia. Argumentar com o subfinanciamento se tornou um artifício retórico de uso recorrente, útil apenas para encobrir o descaso na gestão do dinheiro público.
A crise na saúde precisa de ação objetiva e inovadora, focada na melhoria administrativa, que pode ser compartilhada com organizações sociais e empresas privadas especializadas.