capa_gabriel_de_paiva_ag_oglobofonte: O Globo

Filas de espera intermináveis para exames e consultas, demora na marcação de cirurgias eletivas e, ainda, falta de médicos. Essas são reclamações comuns entre os pacientes dos hospitais federais universitários, que compõem o quadro deficiente da saúde pública no Rio. O Ministério da Saúde anunciou recentemente a liberação de mais uma verba extra no valor de R$ 7,6 milhões para o Hospital Clementino Fraga Filho, a Maternidade Escola, o Gaffrée e Guinle, no Rio, e o Antonio Pedro, em Niterói. A quantia — destinada às ações que integram o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários (REHUF), desenvolvido e financiado em parceria com o Ministério da Educação —, no entanto, está longe de ser a solução para os problemas de atendimento nas unidades. Esse repasse, o quarto do ano, será usado apenas para custeio de atividades de manutenção, como compra de insumos hospitalares e material de limpeza.

No Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, na Tijuca, a verba extra é de R$ 1.163.351,31. Uma quantia que não deve resolver situações como a que O GLOBO encontrou nesta terça-feira na unidade. Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Elma Rocha, de 38 anos, saiu chateada de uma consulta ginecológica, sem conseguir sequer realizar um exame básico nesse tipo de atendimento, o Papanicolau. Segundo Elma, a médica apenas informou que a coleta para o exame não estava sendo realizada.

— Ela não deu explicações — contou a paciente.

Outro problema: a ginecologista pediu duas ultrassonografias, uma transvaginal e outra de mama. Mas elas só poderão ser realizados a partir de janeiro.

— Tentei sair daqui com os exames marcados, mas não foi possível. Pediram para eu retornar em novembro, quando a agenda de janeiro deverá ser aberta. Agora, é tentar para o ano que vem — disse Elma.

GOTEIRAS SEMPRE QUE CHOVE

De maio deste ano até o início de setembro, o Ministério da Saúde já repassou de verba extra um total de R$ 35.893.723 às quatro unidades — que são os principais hospitais universitários do Rio. Parte desses recursos foi empregada em reformas e compra de equipamentos, de acordo com o órgão.

No Clementino Fraga Filho, no Fundão, que, do último repasse anunciado, receberá R$ 1.417.596,66, as queixas vêm também da direção.

— Essa quantia é insignificante para o nosso serviço. Só um aparelho de ressonância nuclear magnética custa quase esse valor. E, no nosso caso, ainda houve a implosão de metade do prédio em dezembro de 2010, após um abalo estrutural. Só para o fechamento do buraco da implosão, está previsto um gasto de R$ 2,5 milhões — disse o diretor do Clementino Fraga, Eduardo Cortês, que assumiu o cargo este ano.

Segundo Cortês, sempre que chove o teto do hospital fica com goteiras, e o reparo deve custar, aproximadamente, R$ 1,2 milhão — praticamente o valor do novo repasse.

— O valor destinado pelo programa já não daria para ambas as obras de recuperação. Além disso, ainda há dois andares sem nenhuma pavimentação e temos a necessidade de obras para abertura de leitos, já que o hospital conta apenas com metade do número de vagas de CTI recomendado para uma unidade de grande porte — enfatiza Côrtes.

No Hospital Clementino Fraga Filho, pacientes reclamam da falta de aparelhos para a realização de exames. Elizabeth de Souza, de 62 anos, tenta fazer uma audiometria há um ano. O exame já foi remarcado três vezes nesse período.

— O hospital me ligou para desmarcar, alegando que o aparelho para o exame está quebrado — contou, acrescentando que também enfrenta problemas para atendimento oftalmológico, pelo qual aguarda desde março.

Dulcineia Teixeira, de 65 anos, também reclama. Diabética, ela precisa ser acompanhada por vários especialistas. No entanto, há quase cinco meses Dulcineia tenta marcar consulta com o oftalmologista e há quase quatro com o nutrologista. Para os dois casos, a resposta é sempre uma só, segundo ela:

— A marcação está suspensa.

Já o Hospital Universitário Antônio Pedro receberá R$ 4.293.464,81, e o valor será usado para que a unidade feche o exercício financeiro de 2014 no azul.

— Os mais de R$ 4 milhões serão necessários para o pagamento de nossos custos fixos (como abastecimento de luz, água e manutenção) e também das despesas variáveis (como compras de medicamentos e materiais para laboratório) — informou o diretor- geral da unidade, Tarcísio Rivello.

Perguntado sobre a principal queixa dos moradores de Niterói — a falta de atendimento de emergência no hospital —, Rivello foi categórico ao afirmar que o setor fica aberto 24 horas por dia e nunca foi fechado, mas que o atendimento é feito de outra forma.

— O perfil dos atendimentos realizados no hospital mudou nos últimos anos. Adotamos um modelo de gestão de emergência aberta, referenciada e regulada, isso é, que não atende a demandas espontâneas. Esse não é o papel de um hospital universitário. Nós apenas atendemos a encaminhamentos de outras unidades de saúde — explicou.

ESPERA DE UM ANO POR CONSULTA

Para os pacientes, ainda não há melhorias. O aposentado José Martins Oliveira, de 68 anos, por exemplo, esperou um ano por uma consulta de rotina com um urologista no hospital de Niterói. Há quatro anos, o idoso fez uma cirurgia renal e, em setembro de 2013, quando tentou atendimento, o máximo que conseguiu foi deixar a consulta marcada para o ano seguinte — ou seja, nesta terça-feira, quando finalmente foi recebido pelo médico.

— É muita demora. Ainda bem que eu já fiz a cirurgia. Mas preciso de acompanhamento — disse José, que também necessita de uma consulta com um nefrologista, mas nesta terça-feira não foi possível marcar porque o sistema do hospital estava fora do ar.

Do lado de fora da unidade, Leila Araújo Rosa, de 45 anos, aguardava sua mãe, Eni Araújo, de 70, que fazia hemodiálise. Apesar do bom atendimento, segundo Leila, a demora na marcação das consultas atrasa o tratamento. Eni precisa ser atendida em três especialidades: nefrologia, cardiologia e endocrinologia. Porém, só poderá marcar as consultas daqui a dois meses.

— O problema é ficar esse tempo todo esperando. Minha mãe já tem idade avançada, e essa demora pode desencadear outros problemas — lamentou Leila.