fonte: Carta Capital

por Rogério Tuma, médico neurologista com pós-doutorado em oncologia pelo Johns Hopkins Hospital & Memorial Sloan-Kettering Cancer Center (EUA)

Estudos econômicos mostram que os custos chamados médicos aumentaram nos últimos anos, mas não por causa dos salários de médicos e enfermeiros, mas pela burocracia criada na área da saúde. Enquanto a mão de obra assistencial pouco aumentou, a área administrativa deu um salto exponencial em seu custo, tornando a medicina mais lenta mais cara e, talvez, mais burra.

Não muito tempo atrás, os hospitais eram geridos por médicos e enfermeiros, poucos eram os administradores que cuidavam dos custos, cobravam as fontes pagadoras e ajudavam a equipe assistencial a prestar um serviço de melhor qualidade aos pacientes. Tudo girava em torno da ética e do ato médico.

Hoje são poucos os jalecos brancos que circulam nos corredores dos hospitais, médicos e enfermeiros se diluem em uma sopa de novos cargos administrativos, com nomes perigosamente atraentes, como gerente de segurança do paciente, diretor de qualidade, analista de risco médico, compliance officer, coordenador de protocolos, todos com o intuito de melhorar a prestação do serviço médico e de tornar a medicina barata e eficiente.

Certificações internacionais são um must no mercado da saúde, mas são caras, em geral custam mais que todas as despesas de educação continuada e treinamento ofertado para o pessoal assistencial, e seus benefícios são invisíveis para médicos e pacientes. Elas exigem padronização do atendimento médico, com protocolos que nivelam a medicina pelo médio e não pelo topo. E os erros provocados por protocolos são crescentes, e seriam evitáveis se a inteligência e a experiência humana fossem bem aproveitadas, mas os burocratas exigem que os protocolos sejam seguidos ao pé da letra, inibindo a criatividade médica em momentos cruciais do tratamento.

O dado mais assustador é que, de 1975 a 2018, o crescimento do corpo administrativo em relação ao corpo médico nos hospitais americanos, e não deve ser diferente por aqui, foi de 300 vezes mais! O número de empregos em saúde saltou de 4 milhões para 16 milhões, e o custo da saúde foi de 8% do PIB para 18%. Por sua vez, o custo de um leito hospitalar por dia passou de 100 para 4,6 mil dólares. A participação do serviço médico no custo da saúde é de 7%, enquanto o tempo dedicado ao paciente caiu para menos da metade.

No Brasil, o aumento do gasto anual da medicina suplementar é, em média, de 17%, segundo estudo da Aon Brasil, principalmente por despesas com indivíduos acima de 59 anos, que é a população que mais frequenta os hospitais. De acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, na composição dos custos, as internações são responsáveis por 61% das despesas, enquanto os médicos correspondem a apenas 9%. Entre 2016 e 2018, a participação de consulta médica no custo “médico” caiu de 16% para 9,5% e a de hospitais subiu de 20% para 26%. Claramente, a inflação não é “médica”, mas “hospitalar”.

Medicamentos também são fontes de custos. Nesta semana foi liberado um medicamento nos EUA que passou dos 2 milhões de dólares. É um avanço, pois cura doença que antes era mortal, mas seria piada dizer que é o médico que cobra caro.

O termo inflação médica deveria ser usado apenas para o custo de consultas e dos serviços médicos, mas, na verdade, o que ocorreu nos últimos anos foi uma deflação médica. Portanto, os burocratas da saúde deveriam parar de se esconder atrás desse termo e cunhar um novo, como custo hospitalar ou administrativo. Medicamentos também deveriam ter seu próprio termo, como custo terapêutico ou outro.

Como tudo que ocorre na área da saúde é tachado de “erro médico”, o profissional da área, justiça seja feita, não merece carregar um título inflacionário que não lhe pertence.