fonte: O Globo

Além da crise na rede pública de saúde , o Rio amarga uma triste estatística: o estado tem a mais alta taxa de mortalidade hospitalar geral e em clínica médica nos leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) do país. Enquanto a média no Brasil em clínica médica, no primeiro semestre deste ano, ficou em 10,15%, esta taxa no Rio foi de 17,26%. Já a média nacional em todas as especialidades chegou a 4,49%. No Rio, atingiu 7,12%.

Em março, Tamires Santos assistiu, impotente, à mãe sucumbir aos poucos num leito do Hospital municipal Pedro II , em Santa Cruz. Após 24 dias internada na emergência, ela morreu no dia 16. Aos 50 anos, diabética e hipertensa, Cristiane da Silva Santos procurou a unidade de saúde por causa de uma ferida no pé.

— Ela chegou falando, lúcida. O médico disse que seria preciso amputar um dedo do pé. O tempo foi passando e a ferida tomou conta de todo o pé da minha mãe, que necrosou. Foram dois dias sem fazer curativo. Ela piorou naquela sala quente, com moscas e ventiladores imundos — contou Tamires.

No dia 14, Cristiane teve a perna amputada e, dois dias depois, ela morreu.

Entre os hospitais com leitos do SUS no Rio, o Pedro II — da rede municipal — teve a terceira maior taxa de mortalidade na clínica médica (26,66%) no primeiro semestre. O Carlos Chagas , da rede estadual, ficou no topo, com 33,29%, o que significa que, de cada dez pacientes internados, três morrem. Já na clínica cirúrgica, o Pedro II teve a maior taxa de mortalidade (7,69%). Em seguida, veio o municipal Salgado Filho (7,45%), e o Carlos Chagas (7,08%). Nessa especialidade, a taxa média nacional foi de 2,24%, e a média do Estado do Rio, de 3,02%.

Na pediatria, o percentual de pacientes mortos foi registrado no Hospital estadual Adão Pereira Nunes , em Saracuruna: 13,9%. Em seguida, veio o Pedro II (4,04%) e o municipal Albert Schweitzer (3,16%), em Realengo.

As informações, disponíveis no site da prefeitura do Rio, foram organizadas pela Assessoria Técnica da Informação da Secretaria de Saúde, a partir de dados do Ministério da Saúde. A taxa de mortalidade hospitalar toma por base o número de autorizações de internação hospitalar (AIH). Dessa forma, não inclui óbitos na emergência, quando o paciente não chega a ser internado.

DE PORTA EM PORTA SEM TRATAMENTO

No fim de setembro, o aposentado Antônio de Sousa, de 68 anos, começou a apresentar diarreia e, depois, prisão de ventre e retenção de líquido na barriga. Procurou a UPA duas vezes, a clínica da família e três hospitais. Não passava do consultório da emergência. A família se uniu e pagou a consulta com um hepatologista (especialista em fígado), que diagnosticou insuficiência na função do órgão. No dia 3, já com dificuldade para respirar, teve 4,5 litros de líquido puncionados da barriga. Na última terça, passando mal, buscou socorro no Rocha Faria e, depois, no Pedro II.

— No primeiro, após três horas, fui dispensado. No segundo, cheguei às 13h30 e saí às 20h. O médico não saía da cirurgia, eu não parava de vomitar e acabei indo embora — contou Antônio, na última quinta-feira. — Tenho fé que vou ficar bom. Mas não tenho medo da morte. Só não quero sentir dor.

No dia seguinte, logo cedo, ele planejava voltar ao Rocha Faria. Não houve tempo. Morreu dormindo naquela madrugada.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a taxa de mortalidade hospitalar ou institucional é a relação percentual entre o número de óbitos que ocorreram após decorridas pelo menos 24 horas da admissão hospitalar do paciente, em um mês, e o número de pacientes que tiveram saída do hospital (por alta, evasão, desistência do tratamento, transferência externa ou óbito) no mesmo período.

Em decorrência do aumento da resolutividade dos procedimentos hospitalares sobre o paciente, considera-se 24 horas tempo suficiente para que a ação terapêutica e consequente responsabilidade do hospital seja efetivada.

De acordo com especialistas, as causas das altas taxas de mortalidade hospitalar no Rio estão ligadas à qualidade do atendimento, mas também ao acesso da população a médicos nas clínicas da família.

— No fim do ano passado, a prefeitura fez uma reforma na atenção primária e houve piora brutal no atendimento nas clínicas da família. Casos clinicamente evitáveis, como hipertensão e diabetes descompensados, estão chegando aos hospitais em maior número e estado grave — diz o vereador Paulo Pinheiro, membro da Comissão de Saúde da Câmara.

O médico, que dirigiu o Miguel Couto por 14 anos, também cita a alta rotatividade nas equipes de enfermagem em hospitais administrados por organizações sociais, em função de atrasos nos salários:

— Somado à falta de insumos e medicamentos, isso acaba com a qualidade do atendimento.

Presidente do Cremerj, Sylvio Provenzano também chama atenção para a falência na prevenção:

— A falta dela faz com que os pacientes cheguem a esses hospitais com condições de saúde muito graves, tirando dos médicos, muitas vezes, a oportunidade de oferecer um tratamento que possa corrigir o problema e o resultado é o óbito. É com pesar que o Cremerj percebeu uma diminuição no programa de saúde da família no Rio. Mas não é somente isso. As condições de assistência nos hospitais, principalmente nesses que têm as maiores taxas de mortalidade, deixam muito a desejar.

A Secretaria municipal de Saúde do Rio afirmou que as taxas de mortalidade de cada unidade hospitalar estão relacionadas ao perfil de atendimento, que inclui a complexidade dos pacientes, as especialidades e os recursos disponíveis, além das características da região em que está localizada. Segundo o órgão, unidades com CTI (como as citadas) concentram casos mais graves e “com prognóstico desfavorável”. Sobre o Pedro II e o Salgado Filho, a secretaria informou que atendem vítimas de acidentes e casos de neurocirurgia.

A Secretaria estadual de Saúde afirmou que a crise financeira, nos últimos cinco anos, impactou diversos serviços médicos, mas que tem investido nas redes municipais para melhorar a qualidade de atendimento.

O Núcleo de Gestão dos Hospitais Federais do Ministério da Saúde no Rio afirmou que suas unidades recebem pacientes com doenças graves como câncer, o que resulta em números de mortalidade maior do que a média estadual.