Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 2020.

A CIPERJ gostaria de se pronunciar publicamente a respeito de um problema que tem se tornado extremamente sério: o número enorme de “denúncias” em redes sociais contra médicos e reclamações quanto a prestações de serviço de saúde julgadas insatisfatórias ou inadequadas.

Apenas no último mês e apenas em atendimentos pediátricos que tiveram repercussão na grande mídia tivemos uma “denúncia de incompetência profissional” contra um cirurgião pediátrico paulista em um vídeo no Facebook no qual a acusação era absolutamente desprovida de fundamento,  um pediatra agredido fisicamente num serviço de emergência porque os familiares não concordaram com o diagnóstico clínico e uma acusação de negligência e abandono profissional em um paciente pediátrico em pós-operatório na rede pública do Rio de Janeiro, também sem fundamento (o paciente realmente apresentava uma complicação, desconforto e problemas clínicos secundários, mas estava atendido no tempo devido e tratado de forma tecnicamente correta), novamente no Facebook.

Entendemos que a disponibilidade de canais de comunicação reconstruiu as relações entre pessoas e entre pessoas e instituições, dando ao cidadão comum um espaço para manifestação de que não dispunha antes. De fato, as mídias sociais são um espaço democrático, aberto para todos. Mas, como toda forma de liberdade, é necessária responsabilidade como correspondência. Ter dados realistas e verdadeiros e pesar as consequências do que se diz (ou, modernamente, “se posta”) faz parte desta responsabilidade.

Também entendemos que pessoas sob stress tendam a usar canais de comunicação como oportunidade de desabafo e alívio de suas tensões. Inclusive porque estes canais são instantâneos e gratuitos, de forma que se pensa pouco antes de usá-los. Mas eles trazem consequências.

Estamos vendo assassinatos de reputações de serviços médicos e de pessoas todos os dias. Profissionais de saúde lidam com biologia e com a vida humana, que têm variações individuais e circunstanciais. A vida, a saúde e a integridade humanas são, infelizmente, finitas. Alguns insucessos e sofrimentos em tratamentos de saúde são inevitáveis, mesmo que a medicina tenha chegado a um nível enorme de sucesso. Mortes e sequelas não são necessariamente erros, embora estes ocorram: podem ser – e na maioria das vezes são – complicações ou desfechos esperados de situações de adoecimento. Retardos em atendimentos não são necessariamente defeitos do profissional. Podem ser escolhas, se um doente mais grave precisa de assistência. Podem ser causados pela disponibilidade de profissionais em número menor do que o necessário. Podem ser porque o profissional, humano que é, precisou ir ao banheiro. Ou comer, já que plantonistas não podem ficar 12 ou 24h sem comer ou ir ao banheiro. Muitas vezes o profissional que está usando o telefone “ao invés de atender” (e é acusado disto com fotos e vídeos em tempo real) está usando o telefone… para atender. Hoje em dia os celulares são usados para encontrar vagas, para consultar colegas, para checar doses de medicação.

O profissional que é acusado de forma leviana nas mídias sociais sofre pessoalmente, pode ser agredido, tem sua reputação profissional questionada, perde pacientes privados.

Isso não é ser justo, é ser leviano. Isso não é pedir justiça, é pedir linchamento público. Isso não é resolver o problema, é ameaçar e usar violência para resolver seu problema ou sua angústia.

Isso não vai ajudar a tratar de pacientes, simplesmente vai ajudar a aumentar o fosso que separa quem precisa e sofre de quem pretende e sabe ajudar.

Não vai criar melhores profissionais de saúde, vai afastar as pessoas responsáveis, sensíveis e sensatas das profissões de saúde.

Finalmente, já há vários exemplos de ações judiciais punindo acusações infundadas divulgadas em rede social que funcionem como assédio moral ou que causem prejuízo profissional ou pessoal. Estas coisas são crimes. E podem dar margem a indenizações custosas.

Precisamos pensar, como sociedade, se é isso o que queremos. Precisamos pensar, como pessoas, se é assim que vamos conseguir relações humanas melhores, mais segurança, mais assistência e uma sociedade melhor.

Nos parece que não é este o caminho.