fonte: Folha de SP

As cirurgias de urgência tiveram uma queda de 60% no país durante a pandemia de Covid-19, enquanto da taxa de mortalidade nesses procedimentos subiu de 5,2% para 6,9%, num salto de 30%.

Os dados, coletados entre fevereiro e maio deste ano em comparação ao mesmo período de 2019, foram divulgados nesta quinta-feira (30) em evento online da Academia Nacional de Medicina sobre cirurgias no contexto da pandemia de Covid.

Em Manaus, as cirurgias de urgência caíram 50%, com aumento de mortalidade de 70%. No Rio de Janeiro, a redução foi de 70%, com alta de mortes de 33%. E em São Paulo, houve 50% de queda cirúrgica e 20% de alta na mortalidade.

O quadro é explicado, principalmente, pelo colapso e sobrecarga do sistema de saúde de alguns estados, com pacientes de Covid-19. Há também o fato de que muitos doentes adiaram a ida aos serviços de saúde por medo de serem infectados.

“Muitos ficaram em casa tomando medicações e demoraram a procurar o pronto-socorro. Chegaram numa fase mais avançada da doença e com complicações”, afirmou o cirurgião Edivaldo Utiyama, professor titular da USP, que apresentou os dados.

Segundo ele, também houve casos de pacientes operados em situação de urgência que foram contaminados nas salas de emergência, quando de doentes Covid e não Covid ainda não estavam separados.

“O paciente era submetido ao tratamento e no segundo, terceiro, quinto dia do pós-operatório, acabava evoluindo com a Covid-19, que piora muito o prognóstico, aumentando as complicações e a mortalidade”, diz ele.

O Hospital das Clínicas de São Paulo se tornou referência em cirurgias de pacientes infectados com o novo coronavírus. Na cirurgia geral, por exemplo, em três meses, os profissionais avaliaram 118 doentes e desses, 31 foram operados na instituição. Entre as cirurgias, houve três colecistectomias (retirada da vesícula) guiadas por ultrassom no leito de UTI em pacientes muito graves.

“Com os doentes chocados [com quadro infeccioso grave] e com insuficiência respiratória muito intensa, não se permitia levá-los ao centro cirúrgico”, diz Utiyama.

A área de cirurgia plástica reparadora realizou 65 procedimentos, especialmente em pacientes com queimaduras, e a vascular, 23, durante a pandemia, que começou em março.

Segundo Utiyama, foi necessário todo um treinamento da equipe cirúrgica para reduzir os riscos de contágio na desparamentação dos EPIs (equipamentos de proteção individual).

“Primeiro, tira-se as luvas e o avental impermeável, depois lava-se a mão com álcool gel, tira-se o face shield, a touca, a máscara. E, depois, é preciso fazer a higiene das mãos.”

Para ele, também é fundamental que os hospitais tenham equipes cirúrgicas exclusivas para atender pacientes com Covid-19.

“Não dá para sair de sala de operação e realizar em seguida um procedimento num doente sem Covid-19.”

Na opinião de Luiz Von Bahten, presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, ambientes cirúrgicos vão precisar ser revistos—com salas de pressão atmosférica negativa, por exemplo.

“Essas salas praticamente inexistem nos nossos ambientes do ensino médico. Vamos também ter que rever o ensinamentos dos alunos sobre paramentação e desparamentação”, afirma.

Segundo ele, esses equipamentos de proteção já deveriam estar sendo usados antes da pandemia.

“Quantas vezes nós, cirurgiões, não operamos com resfriados ou nós mesmos somos contaminados no centro cirúrgico?”, questiona.

A pandemia trouxe também uma nova classificação das cirurgias. Além das clássicas urgências/emergência e eletivas, surgiram agora as urgências eletivas (por exemplo, um tumor que causa obstrução ou sangramento) e as eletivas essenciais (caso de uma biopsia para um diagnóstico e tratamento de câncer).

Hospitais repensam fluxos para operar pacientes com Covid

Vários hospitais já redesenharam seus fluxos e processos para operar pacientes com suspeita e confirmação do novo coronavírus em áreas diferentes daquelas destinadas a pacientes sem a doença.

Segundo Fernando Torelly, superintendente corporativo do HCor (Hospital do Coração), com a redução do tempo de resultado dos testes de Covid-19, é possível direcionar pacientes positivos para salas cirúrgicas exclusivas, mantendo-os separados, inclusive, na recuperação pós-anestésica e na internação.

“Nos casos de emergência em que não se pode esperar o resultado do teste, como nos infartos e AVC, os pacientes são considerados suspeitos. Evitamos o contato deles com aqueles que testaram negativo”, afirma.

Durante a pandemia, 50 pacientes com suspeita e confirmação de Covid-19 foram operados no HCor.
No A.C. Camargo Cancer Center, de um total de 2.099 pacientes testados antes da cirurgia, 114 (5,4%) tiveram resultado positivo e receberam recomendação de adiar em 21 dias o procedimento.

Mas ao menos 20 infectados foram operados em situações em que o risco ao postergar a cirurgia era muito alto, como em pacientes como quados de sangramento e obstrução.

Segundo cirurgião oncologista Samuel Aguiar Junior, chefe do centro de tumores colorretais e sarcoma do hospital, adiar o início de um tratamento oncológico pode reduzir o potencial de cura e aumentar as sequelas.

No caso do câncer de cólon e reto, por exemplo, o número de óbitos de pacientes que iniciaram o tratamento depois dos 60 dias foi 22% maior em cinco anos, segundo estudo feito na instituição.

No entanto, diz ele, operar um paciente oncológico com Covid-19 é uma recomendação extrema e só deve se feita em casos muito urgentes e com medidas como uma sala de pressão negativa e uma equipe médica com grau máximo de EPIs.

De acordo com estudo publicado no Jama (periódico da Associação Médica Americana), o risco de mortalidade pós-operatória em cirurgias eletivas, entre pacientes positivos para Covid-19, ficou em torno de 19%. Em pacientes com câncer, essa taxa se aproximou de 30%.