fonte: O Globo

Enquanto as atenções se voltam para a possível descoberta de uma vacina contra a Covid-19, o plano de testagem no Brasil patina. Desde setembro, a quantidade de exames moleculares (do tipo PCR, adequados para fazer diagnóstico) realizados por mês na rede pública está em queda. Mantido o ritmo atual, a meta do Ministério da Saúde, de chegar a 24,6 milhões de testes ainda em 2020, só será atingida em um ano e 10 meses, ou seja, por volta de agosto de 2022.

Até o fim de outubro, 5 milhões de exames do tipo PCR para Covid-19 haviam sido feitos no Brasil nos laboratórios públicos, segundo dados do último boletim do Ministério da Saúde. A média diária de testes processados atingiu o pico em agosto, com 34,4 mil unidades, caindo para 31,4 mil em setembro e fechando outubro com 28,6 mil.

A previsão do governo, ao relançar o programa Diagnosticar para Cuidar — já na gestão de Eduardo Pazuello —, era de que os laboratórios públicos chegassem à capacidade de 70 mil testes por dia em meados de julho.

Especialistas em saúde e em pesquisa são unânimes em ressaltar que uma estratégia adequada de testagem é a principal medida até agora para lidar com a pandemia, ainda que haja estudos promissores sobre vacinas. Ter uma cobertura adequada de diagnóstico também é fundamental para antever e, com isso, minimizar uma eventual segunda onda pela qual o país poderá passar em breve.

— O Brasil nunca teve uma estratégia de testagem em nível federal ou estadual, que alcance os sintomáticos leves e moderados e os contatantes, inclusive os assintomáticos, que são os que mais transmitem. É preciso investir nisso, com ou sem vacina, que também não é uma mágica, já que podemos levar meses ou anos para imunizar toda a população — afirma Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Doutora em neurociência pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e coordenadora da Rede Análise Covid-19, Mellanie Fontes-Dutra rechaça a ideia da queda de testagem como consequência natural de uma diminuição de casos experimentada nos últimos meses — tendência que já sofre revés com uma nova alta recente nos números.

— Se estivéssemos em um cenário de queda de casos, seria o momento de testar ainda mais, para tentar fazer, pela primeira vez, uma estratégia de rastreio. É isso que traz informação sobre a circulação real do vírus. Nossa testagem é reativa, só alcança quem vai aos hospitais — diz Fontes-Dutra.

Essa testagem “reativa”, feita apenas nos doentes que procuram os serviços de saúde com sintomas, mina a capacidade de se antecipar para dar uma resposta efetiva à pandemia, afirma Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados que integra a Rede Análise Covid-19.

Ao cruzar dados oficiais, ele identificou um fenômeno que evidencia a insuficiência da testagem no Brasil: houve primeiro registro de alta nas internações em leitos clínicos em Porto Alegre (no dia 25 de setembro) e em São Paulo (no dia 15 de outubro), para só depois se ver a escalada na notificação dos casos (em 13 de outubro na capital gaúcha e em 20 de outubro na capital paulista).

— Se houvesse uma testagem eficiente e ampla, seria o contrário: os casos aumentariam sete dias ou mais antes das internações, por causa do tempo de sintomas e de piora — explica Schrarstzhaupt, que pretende estender o estudo a outras capitais.

Sem equipamento

Segundo ele, há bons exemplos de políticas de testagem no mundo, como a Coreia do Sul e Nova York:

— Com uma estratégia de testagem ativa, como na cidade de Nova York faz, teríamos captado o aumento atual de casos antes. Lá, se há uma alta na taxa de testes positivos em um bairro, o local fica com mais restrições. Ou seja, pegam o surto no nascedouro.

Os gargalos para uma política ampla de testagem começam na falta de estrutura e de insumos, que englobam equipamentos, kits de reagentes, recursos humanos. O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, pediu uma agenda com o Ministério da Saúde na semana que vem para solicitar mais testes, a fim de fazer o rastreio da doença (leia mais abaixo).

Segundo Carlos Lula, a escassez de insumos com a chegada da pandemia só foi superada em agosto, o que levou ao atraso do processo de automatização dos Laboratórios Centrais (Lacens) da rede pública. Novos equipamentos são necessários para agilizar os processamentos de amostras:

— Enquanto os Lacens não forem equipados, testes continuarão sendo remetidos para laboratórios de referência, como Fiocruz do Ceará, Fiocruz do Paraná e Dasa, em São Paulo, aumentando o tempo de resposta.

O outro gargalo apontado por especialistas é fazer com que o teste esteja acessível à população. Algumas promessas nesse sentido foram feitas pelo Ministério da Saúde, mas não saíram do papel. Uma delas era a instalação de postos volantes de testagem (no formato de drive-thrus) em cidades com mais de 500 mil habitantes. Outra medida prometida era ampliar a testagem para 100% dos casos, mesmo que leves, nas unidades da rede sentinela do SUS, que faz o controle de rotina de vírus respiratórios no país.

O Ministério da Saúde foi procurado pelo GLOBO desde o último dia 12 sobre o ritmo da testagem no Brasil, mas não respondeu.