fonte: O Globo

Até março do ano que vem, as finanças da Unimed-Rio passarão a ser acompanhadas de perto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A chamada direção fiscal, que não afeta a gestão da cooperativa de médicos, ocorre devido a “anormalidades administrativas e/ou econômico-financeiras graves” e surge após meses de relatos de problemas financeiros, que desde 2014 afetam o atendimento de 1,1 milhão de clientes. Apesar de a reguladora ressaltar que não se trata de uma intervenção, por não deter qualquer poder sobre o gerenciamento da operadora, especialistas destacam que, na prática é uma intervenção e que ela vem tarde. Durante esse período, os serviços aos consumidores têm de ser prestados normalmente e os contratos devem ser integralmente mantidos, inclusive quanto à qualidade e quantidade da rede credenciada.

Segundo a ANS, a direção fiscal é um acompanhamento presencial feito por um agente nomeado pela reguladora, que acompanhará e apoiará a solução dos problemas financeiros, sem que a administração da operadora perca seu poder de gestão. O diretor fiscal ficará dentro da Unimed-Rio, auditando a contabilidade, indicando correções e apontando eventuais necessidades de aporte de capital. Depois dessa etapa, ele analisará o conjunto de medidas a serem adotadas para solucionar seus problemas. A ação da ANS na Unimed-Rio durará 365 dias, mas pode ser retomada uma ou mais vezes.

Ligia Bahia, professora de economia da saúde da UFRJ, afirma que a ação da ANS é uma intervenção sim e algo sério, já que os bens dos diretores chegam a ficar indisponíveis. E pressupõe que a empresa terá de mostrar que há uma saída possível.

— É uma intervenção sim e sobre isso não há nenhuma dúvida. O caso da Unimed-Rio é muito importante. Tem aspectos folclóricos, como o alto investimento da empresa no Fluminense (durante 15 anos, a operadora foi patrocinadora do clube e o fim do contrato foi anunciado em dezembro passado), os altos salários da diretoria, mas também tem outros problemas. Uma pesquisa acadêmica que fiz em 2001 apontava uma relação complicada entre a diretoria do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), e a empresa, onde quase todo o conselho também fazia parte da diretoria da Unimed, o que pode gerar conflito de interesses. A empresa tem solução, mas é preciso resolver débitos em atraso e a arrecadação de recursos com médicos, o que não é algo simples — disse a especialista.

O Cremerj publicou nota assinada pelo presidente da entidade, Pablo Vazquez, criticando o posicionamento de Ligia Bahia. “Ela se utiliza de motivos políticos para atacar o Conselho, uma vez que fez parte da oposição ao Cremerj derrotada nas últimas eleições para o Conselho Federal de Medicina (CFM). Os 42 conselheiros do Cremerj foram eleitos pela maioria dos cerca de 60 mil médicos efetivos do Rio de Janeiro, atuam no ensino e assistência médica e se dedicam à saúde pública e suplementar, da mesma forma que as diretorias da Unimed são eleitas democraticamente pelos seus sócios/cooperados em todo o país”, afirmou a nota, que, entretanto, não debateu os problemas da Unimed ou a situação dos cooperados e dos usuários do plano no Rio.

Há um mês, proibição de venda de nove planos

Publicada na quarta-feira, a decisão da foi aprovada por unanimidade na ANS, depois de a operadora ter tido oportunidade de regularizar sua situação. Se os problemas persistirem, a Unimed-Rio terá de transferir sua carteira a outra operadora. Em nota, a cooperativa diz que encara como natural o procedimento e que desde o final de 2014 iniciou um plano de gestão para reverter um desequilíbrio financeiro, “tendo como base a revisão de processos internos e a implementação de medidas administrativas para gerar mais eficiência operacional”.

A ação da ANS sobre a Unimed-Rio também surge pouco mais de um mês após a proibição de venda, pela agência, de nove de seus planos por mau atendimento. Entre as grandes operadoras, a cooperativa tem o segundo pior índice de reclamações, atrás apenas da Unimed Norte/Nordeste. Em fevereiro, o índice médio de queixas no país foi de 0,99. O da Unimed-Rio foi de 5,35, segundo dados no site da ANS. E o gráfico de reclamações mostra alta desde a compra da carteira de 160 mil clientes individuais da Golden Cross em setembro de 2013.

Consumidora fica preocupada

A notícia deixou a engenheira de alimentos Valéria Borges preocupada. Cliente da Unimed-Rio há dez anos, ela foi diagnosticada com inflamação nos rins em julho passado e acabou sendo vítima dos problemas financeiros que já refletiam no atendimento. Levada pela filha, Nívia, à Unimed Barra na ocasião, a engenheira de 56 anos não conseguiu internação imediata, apesar de recomendação médica. E teme que os problemas voltem a ocorrer:

— Foi uma experiência muito desagradável. Pago o segundo melhor plano da Unimed e uso muito pouco. Quando precisei, aconteceu isso. Estou preocupada com essa situação. Não sei o que vou fazer.
A advogada Renata Vilhena Silva afirma que a ANS não está cumprindo seus objetivos e que a agência demorou a agir, com muitas pessoas tendo dificuldades de atendimento médico. Como a Unimed-Rio comprou parte de carteiras nacionais de outros planos, os problemas afetam outros estados:

— A ANS não poderia ter autorizado a Unimed-Rio a comprar a carteira nacional da Golden Cross. Os problemas são imensos.

Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, afirma que a ANS, criada para fazer a interlocução entre operadoras, usuários e prestadores de serviços (médicos e hospitais), se preocupa apenas com as operadoras.

— Não estamos falando de um problema simples, mas de um problema social, que afeta milhares de pessoas que buscam serviços de saúde.

A ANS diz que agiu a tempo, em observância às leis, utilizando as ferramentas de monitoramento preventivo e com a decretação da direção fiscal.

Cooperativa diz que ajustes já dão efeitos positivos

A Unimed-Rio trocou seu time de gestão em novembro do ano passado e, desde então, vem passando por um rearranjo financeiro, com enxugamento de custos e alongamento das dívidas junto aos bancos, afirma Mozart de Oliveira Júnior, superintendente de atenção à saúde da cooperativa. Ele é um dos profissionais que chegaram no fim do ano passado para formar uma nova diretoria executiva, sob a presidência de Celso Barros, reeleito ano passado para o cargo que ocupa desde 1998.

A cooperativa, diz Oliveira, entrou este ano pagando em dia os associados, e o atendimento foi normalizado em todos os segmentos. Segundo ele, os problemas financeiros foram causados pelo aumento de custos médicos (27%, em média) superior à alta das receitas (12%). Em comunicado, a Unimed-Rio afirmou que “mesmo com as dificuldades financeiras vivenciadas no decorrer do ano, foram realizados 31,5 milhões de procedimentos, entre consultas, exames e internações.

Prejuízo de R$ 198 milhões

Com histórico de boa saúde financeira, a cooperativa fechou o ano passado com perdas de R$ 198 milhões, o primeiro resultado negativo desde 2002. Como tinha pouco mais de R$ 100 milhões em caixa, ficaram faltando R$ 90 milhões. Por ser uma cooperativa, o montante terá que ser rateado entre os médicos associados de acordo com o faturamento, da mesma forma que ocorre quando há lucro. Se todos pagassem o mesmo valor, a fatura seria de R$ 16.071,43 por profissional.

— Os valores devem ser retidos nos pagamentos que vão receber da cooperativa nos próximos meses — disse Oliveira.

A forma como acontecerá este aporte, contudo, ainda não está definida. A assembleia anual de cooperados, na qual a questão seria decidida, neste mês, foi interrompida porque participantes exigiram tempo para analisar o balanço. A expectativa é que o encontro seja retomado em meados de abril. Até lá, o balanço, com auditoria da Ernst Young, já terá sido publicado — o prazo é dia 31 deste mês.