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Aos 8 meses de vida, Jasmine passou pela primeira consulta com um pediatra somente há cinco. Durante seus primeiros 90 dias, o acompanhamento fora realizado por um profissional de enfermagem, na Clínica da Família do CMS Sérgio Nicolau Amim, em Del Castilho. Preocupada com a falta do atendimento médico, a família da estudante Verônica Freitas Cerqueira, de 23 anos, decidiu recorrer a um pediatra particular. E não se arrepende.

No último dia 20, a menina apresentou febre alta, prostração e muita secreção. Na Clínica da Família, relata a mãe, a enfermeira examinou a criança e receitou nebulizar e lavar o nariz com soro. Já a pediatra pediu radiografia do tórax e exame de sangue, detectando uma infecção. Casos como esse engrossam o alerta feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pela Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro: o fim das consultas de rotina com pediatras na rede básica de saúde do município resultará numa população adulta com mais problemas de saúde.

— Há algum tempo, o município do Rio criou uma rotina para que a enfermagem pudesse atender. As crianças não têm acesso ao pediatra, a não ser que a enfermagem identifique algo grave e marque a consulta pelo sistema de regulação. Hoje, na prática, quem faz a assistência do pré-natal e a puericultura (acompanhamento nos primeiros 2 anos de vida) são profissionais de enfermagem desqualificados para essa função. Um reflexo disso é o alto número de bebês que nascem com sífilis congênita nas maternidades públicas (na capital, foram 17 casos em cada mil nascidos vivos, em 2011) — afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Eduardo Vaz.

Presidente da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio, Edson Liberal frisa ser a favor da estratégia de Saúde da Família, cujas equipes são formadas por médico generalista, enfermeiro, técnicos de enfermagem e agentes comunitários, mas ressalta que os profissionais que atuam nas unidades não estão preparados para o atendimento:

— Não temos profissionais formados em medicina da família em número suficiente. Deveríamos preparar as equipes, antes de tirar os pediatras. A população tem o direito de escolher se quer ou não o acompanhamento de um pediatra, mas não pode. Isso é discriminação com quem não pode pagar consulta — diz o pediatra, que coordena um curso que capacita médicos de Clínicas da Família.

‘Modelo perfeito ainda não existe’

Nas Clínicas de Saúde da Família, teoricamente, a primeira consulta da criança com o médico generalista deve acontecer por volta do 15º dia de vida. Na visita seguinte, com 1 mês, estando tudo bem, o bebê passa pelo enfermeiro. Com 2 meses, é visto pelo médico, seguindo nessa alternância até o sexto mês de vida. Depois, a criança deve retornar aos 9 meses e com 1 ano.

— É o mínimo que se preconiza. Não acho um prejuízo para a puericultura (não ter pediatra das unidades básicas de saúde). Estamos num processo de mudança da assistência básica no Brasil. Eu, como pediatra, sei que é uma bandeira da SBP ter um pediatra, um ginecologista e um clínico nas Clínicas da Família, mas o Ministério da Saúde não entende assim. Não é a Secretaria municipal de Saúde (SMS) que entende assim. Essa é uma diretriz do Ministério da Saúde — diz Carlos Ornellas, gerente do Programa de Saúde da Criança da SMS.

Segundo ele, protocolos e manuais criados pelo Ministério da Saúde dão respaldo a esse atendimento e, caso a criança apresente um problema mais sério, o sistema de regulação marcará uma consulta com um médico especialista:

— Um modelo perfeito ainda não existe.

Depoimento de mãe de bebê de 2 meses, 31 anos, dona de casa, que pediu anonimato:

“Quando minha filha estava com 7 dias de vida, fui à Clínica da Família que funciona no CMS Ariadne Lopes de Menezes, no Engenho da Rainha. Ela tomou a vacina e disseram que me ligariam para marcar a primeira consulta. Ninguém ligou. Um mês depois, voltei lá e consegui marcar para o dia 12 de maio. Antes disso, me ligaram dizendo que a médica estava de licença e que voltariam a telefonar para marcar nova data. Até agora, nada. Minha filha tem 2 meses e ainda não passou por consulta. Temo reclamar e sair mais prejudicada. Minhas primas pagam pediatra e são elas e minha mãe que me orientam em como cuidar da bebê. Minha filha está crescendo, mas não sei se está ganhando peso de forma adequada. Não tenho como pagar um pediatra”.