Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2019.
NOTA TÉCNICA
Após reportagem recente na imprensa a respeito de um caso de perda de um testículo após um episódio de torção, a Sociedade de Cirurgia Pediátrica do Rio de Janeiro gostaria de se manifestar sobre o problema do tratamento em tempo hábil das torções de testículo. Nosso objetivo é de alertar quanto ao problema, seus desdobramentos em nosso meio e a necessidade de educar a comunidade em geral quanto ao nível de urgência envolvido.
Esta é uma doença que atinge predominantemente adolescentes (1:4000 homens < 25 anos). Manifesta-se como uma dor aguda e brusca, muito intensa, que afeta um dos testículos. O grande problema é que se atendida após um tempo maior do que seis horas desde o início do episódio de dor tem um risco muito grande de evoluir com retirada por cirurgia ou atrofia completa do órgão, que sofre necrose (morre por falta de irrigação sanguínea por um tempo prolongado).
Alguns problemas afetam o atendimento desta doença, a nível mundial. Dados recentes da Universidade do Texas mostram que em torno de 70% dos testículos foram salvos quando atendidos plenamente em menos de 12h, enquanto que a mesma fração se perdeu após este prazo, num cálculo aproximado (Chen et al, Testicular Atrophy Following Torsion in Pediatric Patients, Congresso Americano de Urologia Pediátrica, 2018).
O principal deles é a demora na demanda de atendimento, pelo paciente ou pelos pais. As pessoas de forma geral não sabem do risco envolvido ou da existência desta doença e tentam, antes de buscar atendimento emergencial, controlar o episódio com tratamentos domésticos. Também é costume atribuir os sintomas a algum trauma testicular, relativamente frequente entre adolescentes ativos e praticantes de esportes de contato ou ciclismo, o que justifica a seus olhos os acontecimentos e reforça a busca tardia de atendimento. Adolescentes, por pudor, frequentemente retardam comunicar suas queixas aos responsáveis.
QUALQUER EPISÓDIO DE DOR TESTICULAR AGUDA PRECISA DE ATENDIMENTO MÉDICO IMEDIATO, e é essencial que pais, professores e crianças/adolescentes sejam educados a respeito.
Outro problema é que os sintomas de torção testicular devem ser diferenciados de outras doenças, principalmente de inflamações do testículo (orquites), torções da hidátide testicular e traumas efetivos do testículo. O diagnóstico diferencial é difícil e os exames complementares têm um índice alto de falhas, além de retardar o diagnóstico em muitos casos. EM CASOS DE SUSPEITA BEM FUNDAMENTADA DE TORÇÃO TESTICULAR ESTÁ INDICADA CIRURGIA EXPLORATÓRIA NUM PRAZO MÁXIMO DE SEIS HORAS, E ISTO INDEPENDE DE EXAMES COMPLEMENTARES PARA COMPROVAR O DIAGNÓSTICO: com raras exceções, o risco da cirurgia é menor do que o risco de uma espera prolongada e não se deve esperar por outros exames em casos com indicação clara.
Acentuamos que, na saúde pública/SUS, retardos no fluxo de pacientes entre unidades primárias de atendimento e unidades capazes de prover o tratamento cirúrgico são extremamente relevantes na piora dos resultados. Infelizmente, considerando os sistemas atuais de regulação, é muito raro que o paciente seja atendido numa unidade primária, receba o diagnóstico inicial, chegue à unidade de referência e seja operado num prazo de seis horas. Há entraves para o diagnóstico inicial, quando mecanismos de triagem retardam o atendimento e não há disponibilidade de profissionais treinados para este diagnóstico e há entraves para a transferência do paciente para cirurgia em tempo hábil. É imperativo que os gestores se conscientizem da necessidade de tratamento IMEDIATO desta entidade, que cursa com isquemia do testículo, da mesma forma que existem protocolos de atendimento imediato de episódios de isquemia cardíaca ou cerebral.
Finalmente, lembramos que nos episódios de torção testicular não é só a cirurgia do testículo que é importante: é essencial que o testículo que não foi afetado inicialmente pela doença seja fixado numa posição normal, porque o risco de torção posterior é alto. Isto é ainda mais fundamental se após o episódio de torção o paciente perde o órgão por retirada ou atrofia, já que um novo episódio protraído de torção significaria uma situação de anorquia (ausência de testículos), andropausa e infertilidade. Q
MENINO QUE TENHA SOFRIDO UMA TORÇÃO DE TESTÍCULO PRECISA TER O OUTRO TESTÍCULO FIXADO CIRURGICAMENTE, ASSIM QUE POSSÍVEL.
Associação de Cirurgia Pediátrica do Rio de Janeiro – CIPERJ