fonte: O Globo

Impulsionado pela pandemia, o setor de saúde vive nova onda de consolidação. O objetivo é ganhar escala para fazer frente a uma revolução tecnológica antecipada pela crise do coronavírus, com expansão do atendimento por telemedicina e foco em procedimentos que buscam detectar o risco de o paciente desenvolver doenças graves — e, com isso, tratá-las antecipadamente.

Em um setor ainda fragmentado, multiplicam-se as operações de fusões e aquisições, que buscam enfrentar a pressão de custos no setor. Uma única consultoria relatou estar envolvida em nove operações do tipo.

Na avaliação de empresários e economistas, há espaço para ganhar mercado. Em um país com mais de 200 milhões de habitantes, apenas 47 milhões contam com a cobertura da saúde suplementar. Segundo Marco Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), é possível alcançar 70 milhões.

Outro foco é melhorar os serviços hospitalares em cidades médias, mercado nem sempre contemplado por grandes grupos.

Existem sinais do apetite do investidor pelo segmento. A abertura de capital na Bolsa da Rede D’Or no ano passado foi a segunda maior da história. E neste começo de ano, a maior operadora de planos de saúde do Nordeste, a Hapvida, propôs união com o Grupo NotreDame Intermédica.

Se o negócio se concretizar, será criada uma empresa com valor de mercado de R$ 120 bilhões.

— As empresas têm total complementariedade geográfica. Há espaço para expansão dentro dos estados onde já existe presença, indo, por exemplo, ainda mais para o interior e outras cidades — afirmou Jorge Pinheiro, presidente da Hapvida.

Abertura a estrangeiros

As bases para esta expansão do setor de saúde têm origem em 2015, quando ele foi aberto ao capital estrangeiro, explica Saulo Sturaro, sócio da assessoria de fusões e aquisições JK Capital, que tratou, no ano passado, de cinco operações de aquisições de hospitais:

— Antes, o setor de saúde ficava blindado do avanço de grupos mais profissionalizados e eficientes. A mudança regulatória foi o importante.

Maior empresa de medicina diagnóstica e segunda maior rede de hospitais do país, a Dasa vem acelerando suas aquisições. Em dezembro, pagou R$ 1,8 bilhão pelo Grupo Leforte, que tem três hospitais e cinco clínicas em São Paulo.

Em setembro, assumiu o controle do Nossa Senhora do Carmo, que tem hospitais no Rio, além de uma empresa de tecnologia, parte da transformação digital do grupo iniciada há três anos.

— O setor de saúde, principalmente quando se sai dos grandes centros, ainda é bastante fragmentado. Há espaço para consolidação, o que gera ganhos de eficiência — afirmou Pedro Bueno, presidente do Grupo Dasa.

Ele completa:

— A medicina está no nosso DNA, mas a tecnologia também. Nos próximos anos vamos passar por uma transformação digital. Tecnologia e medicina não poderão ser dissociadas e nosso grupo poderá atuar com pró-atividade, prevendo, por exemplo, as chances de uma pessoa se tornar diabética ou ter uma internação, tendo a possibilidade de mudar esse trajeto e o fim dessa história.

As cidades intermediárias estão no radar da Rede D’Or, o maior grupo hospitalar privado do país. O projeto em cinco anos é crescer 1.400 leitos por ano. Como destaca fonte próxima ao grupo, a maioria dos hospitais no país tem até 50 leitos.

Nos EUA, a média é de 160 leitos. Ganhar escala é forma de sobrevivência em razão da alta de custos.

O grupo tem parceria com SulAmérica, Bradesco e Golden Cross, entre outras operadoras, na oferta de planos que privilegiam o uso da rede. E tem firmado um novo modelo de parceria com as Unimeds em que entra com a experiência de gestão hospitalar do grupo, para reduzir custos e tornar os planos regionais mais competitivos.

Em 2020, o grupo entrou em Fortaleza e Aracaju e está atento a outras oportunidades.

Inovação digital

Para Carlos Marinelli, presidente do Grupo Fleury, de diagnósticos, a revolução digital do setor foi acelerada pela pandemia. O grupo iniciou atendimento por telemedicina durante a crise e, em pouco mais de um mês, realizou 150 mil consultas virtuais:

— A lógica de consumo da saúde mudou. A gente nasceu laboratório, se transformou em empresa de diagnóstico, e quer usar essa potência para atendimentos que vão muito além dos exames. Temos 250 unidades pelo Brasil, que, nos períodos de tarde e noite, eram ociosas. Podemos usar esses locais para outros atendimentos, como pequenas cirurgias ortopédicas, especialidades médicas. Tudo que não é hospital a gente pode entrar.

A Qualicorp, maior administradora de benefícios do país, com 2,5 milhões de usuários, investe em inovação para propor a operadoras produtos customizados e acessíveis.

— Até fevereiro, devemos lançar um produto voltado para uma região específica de São Paulo. Estamos investindo num canal de distribuição para fazer a oferta certa de plano para cada um. O primeiro passo é ampliar a presença com as operadoras regionais. Fizemos quatro aquisições em 2020 e continuamos olhando oportunidades — disse o vice-presidente Comercial da empresa, Elton Carluci, ressaltando que o foco são as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.

Para Maurício Justo, sócio da gestora Alpha Key, a consolidação permite maior presença em camadas de menor renda, outra forma de expansão:

— NotreDame e Hapvida encontraram uma avenida de crescimento nos planos individuais de tíquetes menores, entre R$ 200 e R$ 300. Isso permite atender o cliente que está saindo do SUS e, na prática, cria nova linha de atuação.

A alta liquidez no mercado financeiro também funciona como um incentivo à consolidação.

— Existem mais de 700 operadoras de plano de saúde no Brasil, muitas delas com menos de 20 mil vidas. Para ser capaz de dar conta dos sinistros, uma operadora deveria ter pelo menos 40 mil, 50 mil vidas. Por isso, os grandes grupos, que estão capitalizados, fazem uma corrida de consolidação — resumiu Luís Fernando Joaquim, sócio-líder da área de saúde da Deloitte.