fonte: O Estado de SP
Fraqueza, perda de memória, dificuldade de concentração e até problemas cardíacos. As sequelas da covid-19, mais conhecidas em adultos, também atingem crianças e adolescentes.
Para monitorar sintomas persistentes da doença, hospitais criam ambulatórios pediátricos, e pesquisadores brasileiros coletam dados sobre a recuperação dos mais jovens. Além de ajudar as crianças a superar as consequências da doença, o objetivo é descobrir as repercussões da covid-19 a longo prazo – e quanto tempo elas podem durar.
Crianças e adolescentes, em geral, têm a forma mais branda da covid-19, mas podem manifestar sintomas que dificultam a retomada das atividades cotidianas após a alta. Um estudo britânico recente apontou que sintomas de longa duração são mais raros em crianças. Médicos e pesquisadores ainda não sabem por que algumas têm sintomas persistentes e outras não, mas já identificaram que até mesmo aquelas que tiveram quadros bem leves da doença podem manifestar a chamada covid longa meses depois.
Em junho, a estudante paulistana Anara de Quadros, de 14 anos, chegou ao hospital com uma dor forte no abdome. Os médicos suspeitaram primeiro de apendicite. Só depois veio o diagnóstico: era a covid-19. A adolescente ficou quatro dias internada, mas a alta não significou o fim dos problemas. “Ela teve um susto grande, deu uma descompensada emocional.
Quando saiu do hospital, ficaram ainda náuseas, vertigem e isso a levava a ter até uma falta de ar por batimento acelerado do coração”, conta a mãe, a dentista Iadasa de Quadros, de 44 anos. A família voltou ao hospital para acompanhar os sintomas pós-covid. A menina, então, recebeu tratamento para gastrite e foi encaminhada para tratar o quadro de ansiedade na terapia.
Para acompanhar o desenvolvimento de crianças que se infectaram, o Sabará Hospital Infantil, no bairro de Higienópolis, criou há dois meses um ambulatório pós-covid voltado a crianças e adolescentes. O atendimento tem recebido inicialmente meninos e meninas que lá ficaram internados – mas está aberto ao público infantil em geral. “Os sintomas são muito abrangentes. Depois de quatro semanas (da alta), vemos nas crianças a partir de 7 anos alguns sintomas parecidos com os de adultos, como ansiedade, insônia, cefaleia, dor abdominal.
E, nas menores, inapetência, déficit de atenção”, explica Julia Carvalho Seabra, pediatra intensivista do ambulatório pós-covid para crianças e adolescentes no Sabará. Segundo Julia, um dos desafios dos médicos é diferenciar o que são sequelas do vírus e o que são repercussões do isolamento e da angústia trazida pela pandemia.
O acompanhamento de crianças também esbarra na dificuldade que os mais novos têm de relatar sintomas. São os pais que indicam mudanças no comportamento das crianças e até dificuldades na escola. “Esses pacientes precisam ser acolhidos, identificados”, diz a médica.
Não há um tratamento específico contra a covid longa, mas alternativas para aplacar os sintomas e fazer com que a criança volte a se desenvolver normalmente.
No caso de Anara, foram sugeridas caminhadas regulares, além da terapia. Hoje, a adolescente já se sente melhor.
“As crianças não estão isentas do risco”, afirma Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Segundo ele, há casos clássicos de perda do paladar e olfato, mas também complicações pulmonares, como broncoespasmos (contrações das vias aéreas), e cardíacas, além de fadiga e prejuízo da parte cognitiva entre as crianças. Podem ocorrer ainda repercussões bastante raras após a infecção pelo coronavírus, como a síndrome inflamatória multissistêmica, duas a quatro semanas depois da contaminação.
Nesses casos, graves, os sintomas incluem febre persistente, problemas gastrointestinais, inflamação na pele e complicações cardíacas. Até o dia 7 de agosto, o Brasil registrava 1.204 casos da síndrome inflamatória multissistêmica e 74 mortes.
Casos complexos. O monitoramento pode ser, em geral, apenas clínico, com observação de sintomas pelo médico, mas, em algumas situações, demanda exames mais complexos. Foi o caso de João Amador da Silva, de apenas 4 meses. O bebê teve miocardite, uma inflamação no músculo do coração, após contrair a covid-19 logo depois que nasceu, em abril deste ano. Na época, ele ficou 12 dias internado – três na UTI do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba.
Por causa das complicações, voltou a ser hospitalizado, desta vez para tratar a alteração cardiovascular.
“Até então, eu não sabia que criança estava pegando covid e achava que o meu era o primeiro bebê que tinha pegado. Quando saiu o resultado dos exames, foi um susto muito grande para mim e para toda família. Ficamos com medo de perder o João, pois a gente sabe o estrago que a covid faz, ainda mais quando pega uma criança”, diz a mãe, a auxiliar odontológica Joraci Kolodin.
Maior hospital exclusivamente pediátrico do Brasil, o Pequeno Príncipe tem mais de 100 crianças em acompanhamento cardiológico, depois de terem contraído o coronavírus. “Sabemos que a população pediátrica é menos acometida pela covid-19, mas entre os casos que chegam ao hospital, que são os de maior gravidade, a proporção de crianças com envolvimento cardíaco é expressiva”, afirma a médica eletrofisiologista e cardiologista pediátrica Lânia Xavier.
A quantidade de casos levou o Pequeno Príncipe a criar uma ala específica para acompanhamento cardiológico de pacientes.
Dos 1.100 casos de covid-19 que passaram pelo hospital, 230 necessitaram de internação.Desses, praticamente a metade apresentou complicações cardíacas. “Temos a expectativa de acompanhar esses casos por mais de um ano”, diz Lânia.