fonte: MedScape
A ocorrência de hipertensão arterial durante a gestação pode aumentar o risco de o bebê apresentar baixo peso ao nascer e/ou ser pequeno para a idade gestacional. É o que mostra o estudo realizado no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) e publicado em agosto no periódico PLoS One. [1]
O trabalho, que avaliou recém-nascidos prematuros (< 34 semanas gestacionais), mostrou ainda que a hipertensão gestacional também está associada a aumento do risco de enterocolite necrosante e de morte neonatais.
Segundo a Dra. Marta de Moura, neonatologista do HMIB, chefe da unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal do Hospital das Forças Armadas e professora da Escola Superior de Ciências da Saúde, a doença hipertensiva é um dos quadros que mais impacta a saúde da gestante e do recém-nascido, figurando como uma das principais causas de prematuridade no Brasil.
A médica começou a estudar o tema em 2009 em seu mestrado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e desde então vem aprofundando a pesquisa. Agora, em seu doutorado na Universidade de Brasília (UnB), além de analisar o impacto da hipertensão gestacional na saúde dos bebês ao nascimento e durante a hospitalização, também investigou as possíveis repercussões no 18º mês de vida.
O estudo incluiu 695 bebês prematuros nascidos vivos entre a 24ª e a 33ª semana gestacional de 2014 a 2019. Destes, 308 nasceram de mulheres que tiveram hipertensão na gestação e 387 nasceram de mulheres normotensas.
Segundo a Dra. Marta, quando uma mulher se torna hipertensa (pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou diastólica ≥ 90 mmHg) após 20 a 22 semanas de idade gestacional, considera-se que ela apresenta doença hipertensiva da gestação. A doença pode se manifestar como pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome HELLP (do inglês Hemolysis, Elevated Liver enzymes and Low Platelets).
“A eclâmpsia ocorre quando a mãe convulsiona por conta dos distúrbios hipertensivos, a pré-eclâmpsia é quando ela tem o distúrbio hipertensivo e proteinúria, mas não chega a convulsionar, e a síndrome HELLP é caracterizada por complicações gestacionais com hemólise, elevação das enzimas hepáticas e baixa contagem de plaquetas”, explicou a médica em entrevista ao Medscape.
No trabalho em questão, a Dra. Marta e sua equipe consideraram esses quadros e também incluíram no grupo hipertensivo as mulheres com hipertensão crônica e pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica. A reunião de diferentes doenças hipertensivas em um único grupo foi a estratégia adotada para alcançar um quantitativo maior de pacientes.
Os resultados da pesquisa mostraram que os recém-nascidos de mães com história de distúrbio hipertensivo gestacional tiveram mais risco de serem pequenos para a idade gestacional e de apresentarem 850 g a menos do que os bebês de mães normotensas. Os neonatos no grupo de mães hipertensas também tiveram mais enterocolite necrosante, entretanto, a taxa de manobras de reanimação na sala de parto e a necessidade de surfactante não diferiram entre os grupos, tampouco o tempo de permanência em ventilação mecânica ou a dependência de oxigênio com 36 semanas de idade gestacional.
Ser filho de uma mulher normotensa se mostrou um fator protetor contra morte. “Ficou bem marcado no trabalho como esses bebês cujas mães apresentaram doença hipertensiva na gestação nascem com peso e perímetro cefálico menores, então realmente é uma doença que compromete o feto – não só pela prematuridade, mas também pela restrição do crescimento”, destacou a especialista.
De acordo com a Dra. Marta, os achados estão de acordo com o que a literatura vem mostrando, porém, também chamam a atenção para o fato de a doença hipertensiva na gestação ter repercussões tardias. “A avaliação dos bebês após a alta hospitalar mostrou que também houve um impacto no crescimento deles”, destacou. Apesar de os autores não terem encontrado diferenças estatísticas entre os grupos em relação ao crescimento, ao peso e à taxa de mortalidade no 18º mês de vida, a médica explicou que eles notaram uma tendência nesse sentido, o que reforça a existência de um impacto em médio prazo.
Outros achados da pesquisa foram referentes à modalidade de parto e ao uso de sulfato de magnésio: 68,5% das gestantes hipertensas fizeram cesárea. Segundo a Dra. Marta, o American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) não recomenda necessariamente parto cesáreo para essas mulheres. [2]
“No Brasil, temos essa cultura da cesariana, da necessidade imediata de intervenção. Dentro do grupo das mães hipertensas, obviamente existe um subgrupo específico que vai necessitar da cesárea como a mãe com síndrome HELLP, plaquetas muito baixas, alteração hepática ou a função renal muito comprometida, por exemplo; mas outra parte das gestantes hipertensas pode sim evoluir para parto normal”, explicou a médica, destacando que ainda há necessidade de um trabalho de convencimento dos obstetras acerca dessa possibilidade.
“Às vezes é possível esperar. Podemos medicar a mãe, fazer o sulfato de magnésio, aguardar um pouco a pressão estabilizar e induzir o parto”, afirmou, enfatizando que “o parto cesáreo está associado a mais complicações e que, portanto, só deve ser utilizado quando houver real necessidade”.
Apesar de ser uma medida reconhecidamente efetiva, o sulfato de magnésio foi pouco usado no estudo. Apenas 58,7% das mulheres hipertensas receberam o medicamento. “A minha expectativa era ter encontrado uma frequência maior de uso de sulfato de magnésio, medicamento já consolidado tanto no tratamento da hipertensão quanto na prevenção de comprometimento neurológico em bebês prematuros. Vimos uma diferença marcante entre filhos de mães hipertensas e não hipertensas, mas, mesmo assim, o número foi baixo, o que reforça a necessidade de continuarmos informando e capacitando os nossos médicos sobre a importância de usar o sulfato de magnésio”, afirmou a Dra. Marta, acrescentando que o serviço de saúde que atender a gestante hipertensa, ainda que não tenha condição de realizar o parto, deve monitorá-la.
“Mesmo que a equipe que prestou o atendimento inicial seja da atenção primária, é necessário que verifique se há necessidade de fazer corticoide e sulfato de magnésio, porque, se ela chegar à maternidade em trabalho de parto muito avançado é possível que não dê mais tempo de fazer a medicação. Precisamos difundir mais entre os médicos e obstetras que trabalham em emergências que façam a medicação nessas mulheres ou que tentem fazer o encaminhamento o mais cedo possível para um serviço em que elas possam receber os medicamentos”, alertou.