fonte: MedScape
Ele é capaz de escrever poemas e cartas de apresentação, propor receitas culinárias e responder a quase qualquer pergunta que lhe for feita. Lançado on-line em novembro de 2022, o programa ChatGPT, criado pela empresa norte-americana OpenAI e no qual a Microsoft investiu alto, pode abrir perspectivas importantes na área da saúde.
Depois das práticas cirúrgicas, da descoberta da penicilina e das vacinas, será o ChatGPT o próximo grande avanço na medicina?
Levou menos de três meses para que esse modelo de aprendizado de máquina (machine learning) enlouquecesse os fãs de novas tecnologias. Segundo eles, os robôs que conversam com os usuários, capazes de compreender a linguagem natural e responder de forma inteligente às perguntas feitas, podem revolucionar certas práticas e transformar muitas profissões.
“Há cerca de quatro anos, os ‘gigantes da web’, como o Google, criaram modelos enormes de linguagem, como o BERT e o GPT, que facilitam a implementação de técnicas de processamento automático da linguagem natural, como resumo de texto, [organização de] sistemas de pergunta e resposta, produção automática de texto ou diálogo. Estes últimos surpreendem pela qualidade de suas respostas”, explicou para o Medscape Jean-Gabriel Ganascia, especialista em inteligência artificial, ex-presidente do comitê de ética do Centre National de la Recherche Scientifique, presidente do comitê de orientação do Cycle des Hautes Études de la Culture e membro do conselho científico do Observatoire B2V des Mémoires.
Coleta a partir de múltiplas fontes de informação
De que é feita e como realmente funciona uma ferramenta como o ChatGPT? “Sou formado a partir de grandes quantidades de textos publicados on-line até 2021, como notícias, livros, páginas da web e outras fontes de informação. Isso me permite gerar textos informativos e coerentes sobre uma grande leque de temas”, respondeu o programa ao ser indagado pelo Medscape.
Por não ter acesso à internet para verificar informações, o ChatGPT responde apenas a partir de dados previamente coletados.
“Do ponto de vista técnico, esses modelos estatísticos de linguagem (às vezes chamados de ‘papagaios estocásticos’) usam redes neurais formais contendo centenas de bilhões de parâmetros, e são treinados com grandes volumes de textos, compostos de enciclopédias on-line que contêm o equivalente a centenas ou mesmo milhões de livros, como a Wikipedia”, complementa Jean-Gabriel Ganascia. “Foram acrescentadas técnicas de aprendizado por reforço para os sistemas de diálogo, a fim de encontrar a palavra mais adequada a cada contexto.”
“Esses modelos estatísticos de linguagem usam redes neurais formais que contêm centenas de bilhões de parâmetros, reunidos em grandes corpus de enciclopédias on-line.” Jean-Gabriel Ganascia
Saúde: chatbots sedutores
Os agentes de conversação podem abrir muitas perspectivas no domínio da saúde, prestando em primeiro lugar assistência aos pacientes, dando-lhes informações sobre doenças, tratamentos e medicamentos. No futuro, deverão também desempenhar um papel importante na educação terapêutica.
Mas uma ferramenta como o ChatGPT também pode ajudar os médicos a avaliar rapidamente os sinais e sintomas dos pacientes e a determinar o melhor tratamento. Como parte do monitoramento à distância, os agentes de conversação conseguem rastrear os pacientes remotamente e emitir alertas de possíveis problemas.
O ChatGPT não é a única ferramenta que existe. O Google e a DeepMind estão trabalhando na criação do Med-PaLM, uma ferramenta de código aberto projetada para responder a perguntas de profissionais de saúde ou de pacientes. A empresa Wefight especializou-se em assistentes virtuais destinados a informar os pacientes sobre cerca de vinte doenças.
Um acelerador do diagnóstico
No livro “2041: l’odyssée de la médecine”, publicado na França em 2022, o professor Jean-Emmanuel Bibault, médico e pesquisador em oncologia na França, que trabalhou durante algum tempo no Vale do Silício nos EUA, está convencido de que a inteligência artificial vai reinventar a atuação do médico. “Estamos em vias de inventar as máquinas que tratarão de nós melhor do que nós mesmos somos capazes de tratar”, afirmou.
Treinados a partir de gigantescos bancos de dados e capazes de integrar um grande número de parâmetros, os sistemas de inteligência artificial devem acelerar o rastreamento e o diagnóstico dos pacientes, bem como a individualização do tratamento em quase todas as especialidades.
E os chatbots, seguindo o modelo do ChatGPT, também podem desempenhar um papel importante na psiquiatria no futuro, avaliando a saúde mental de um paciente, dando informações médicas ou até mesmo propondo uma psicoterapia.
“A inteligência artificial poderá também servir para a detecção e o diagnóstico automatizado de transtornos depressivos e do risco de suicídio”, acrescentou o professor Jean-Emmanuel Bibault.
“Estamos em vias de inventar as máquinas que tratarão de nós melhor do que nós mesmos somos capazes de tratar.” Professor Jean-Emmanuel Bibault
A inteligência artificial assumirá lugar de destaque no diagnóstico, a ponto de substituir os seres humanos?
Sem sombra de dúvida, afirmou o pesquisador. “Quando o desempenho da inteligência artificial for muito melhor que o dos humanos, o próprio conceito de validação ou verificação por um médico não fará mais sentido”, disse. “Teremos chegado ao ponto de não retorno. Que papel desempenharão então os médicos encarregados até então deste tipo de procedimento?”
Dentro de 15 a 20 anos, a terapêutica também deverá ser revolucionada pela inteligência artificial, que recomendará os dispositivos e medicamentos mais adequados para cada doença, prevê o médico. E, quem sabe, daqui a 30 ou 40 anos a inteligência artificial possa fazer uma consulta médica “tecnicamente impecável”?
“Quando o desempenho da inteligência artificial for muito melhor que o dos humanos, o próprio conceito de validação ou verificação por um médico não fará mais sentido.” Professor Jean-Emmanuel Bibault
Defesa de uma garantia humana
Ainda não chegamos lá! Por trás da criação da iniciativa acadêmica e cidadã Ethik-IA, que defende uma “regulação positiva” da inteligência artificial na saúde, e autor de vários livros relacionados à inteligência artificial, David Gruson olha com mais apreensão para o desenvolvimento dessas novas tecnologias.
“O ChatGPT é um exemplo das oportunidades que os agentes de conversação nos oferecem na área da saúde. Essas ferramentas são úteis no acompanhamento e no tratamento de pacientes com doenças crônicas e metabólicas. Elas podem acompanhar os pacientes, processar dados e encaminhar para os profissionais. Mas, mesmo na telemedicina, onde um agente de conversação poderia ter a função de agendar as consultas, por exemplo, sua utilização exige a intervenção de um ser humano.”
O responsável pela Ethik-IA defende a “garantia humana”, que consiste em “abrir-se resolutamente à inovação, tentando regular os seus desafios éticos ao longo da sua aplicação”. Uma “Lei da Inteligência Artificial”, que regula o uso da inteligência artificial na saúde, deve ser sancionada em breve na Europa. A sua implementação está prevista para o final deste primeiro semestre.
“O princípio da primazia do ser humano é central, é um verdadeiro tema civilizacional, [que deve ser discutido] se quisermos evitar desvios”, concluiu David Gruson. “Não se trata de uma garantia humana de monitoramento do algoritmo, mas sim de um estudo de caso com ações corretivas do algoritmo ou da prática humana, se necessário.”
Em uma entrevista descontraída, o ChatGPT foi extremamente prudente: “É improvável que a inteligência artificial substitua inteiramente os médicos para o diagnóstico e a escolha terapêutica em curto ou médio prazo”, assegurou. “Os profissionais de saúde têm experiência, e a experiência não pode ser substituída pela inteligência artificial. Eles são treinados para interagir com os pacientes, entender os fatores sociais e emocionais que podem influenciar a saúde das pessoas e considerar as características particulares de cada paciente.” Além de tudo, ele também é modesto!
“É pouco provável que a inteligência artificial substitua inteiramente os médicos no diagnóstico e na escolha terapêutica em curto ou médio prazo.” ChatGPT
Alerta de trapaça com o ChatGPT
O sucesso do ChatGPT foi além das universidades. O robô de inteligência artificial já foi amplamente testado pelos professores. Nos EUA, pesquisadores submeteram o ChatGPT a exames para obtenção do diploma de medicina estadunidense, em que a ferramenta foi aprovada com sucesso. O medo agora é que os alunos escrevam usando esta ferramenta. Um professor francês descobriu que 7 dos 14 alunos do mestrado em deficiência fizeram o dever de casa com ajuda do ChatGPT.
O Institut d’Études Politiques de Paris, na França, também tem tomado medidas para limitar os casos de fraude. “A utilização do ChatGPT, ou de qualquer outra ferramenta que recorra à inteligência artificial, é […] neste momento estritamente proibida na produção de trabalhos escritos ou orais pelos estudantes”, disse o diretor de formação e pesquisa numa mensagem dirigida ao corpo docente.