fonte: BBC Brasil

Bater nas portas das casas para verificar a condição de saúde das pessoas e detectar problemas antes que eles se agravem é uma prática comum no Brasil. Mas essa abordagem poderia funcionar no Reino Unido?

As agentes Comfort e Nahima estão em sua rotina em Churchill Gardens, uma área localizada no bairro de Pimlico, em Londres. Vestidas com uma blusa de lã azul, as duas sobem constantemente as escadas de concreto de cada prédio dos quarteirões onde trabalham.

Comfort, uma enfermeira aposentada, visitou Stanley Smithson, de 88 anos.

Ele diz que “a solidão é um aspecto muito assustador da velhice”, que ele não percebia até que uma de suas filhas se mudou para a Nova Zelândia.

Nesse contexto, ele brinca que as visitas de Comfort representam exatamente o que o nome dela significa em inglês —um conforto.

“Ela está sempre de olho em mim. Percebo que ela está sempre anotando discretamente e fazendo algumas observações”, diz Smithson. “E então, antes que eu perceba, recebo uma orientação para ir a uma clínica ou fazer um exame de sangue.”

Comfort e Nahima são duas de quatro agentes de saúde que atuam neste pequeno trecho da capital britânica. O grupo visita os residentes como parte de um projeto-piloto que envolve um esforço proativo de saúde comunitária.

Os profissionais podem ajudar com diferentes questões —de problemas de moradia que afetam a saúde à detecção dos primeiros sinais de diabetes— ao conversar informalmente com os residentes sobre o estilo de vida que levam.

A inspiração para a iniciativa vem de uma abordagem de saúde que tem funcionado nas regiões mais pobres do Brasil atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante as últimas décadas.

Comfort também pode oferecer assistência prática —uma vez ela ajudou Smithson a ajustar um corrimão no banheiro depois que ele passou por uma operação no quadril.

Ela explica que o trabalho deve ter um escopo amplo.

“Não estamos falando apenas de saúde, vamos além disso. Podemos fazer a conexão com a habitação e praticamente com qualquer coisa”, avalia.

Na visão de Comfort, os agentes têm, acima de tudo, tempo para ouvir o que os clínicos gerais nem sempre conseguem devido ao limite de tempo durante as consultas.

Nahima também vai de casa em casa e não se intimida quando recebe uma recusa ou uma porta batida na cara.

Ela diz que o trabalho requer paciência, mas pode fazer diferença para a saúde da comunidade. Certa vez, por exemplo, ela conseguiu resolver o enigma de por que uma determinada área tinha baixa procura por exames de rastreamento do colo do útero.

“Tivemos várias mulheres que, por serem de diferentes populações étnicas, pensavam que o teste lhes custaria dinheiro”, lembra. “Quando começamos o trabalho, havia um número baixo de mulheres que realizavam papanicolau. Mas, desde então, essa taxa disparou.”

Os agentes comunitários de saúde são parcialmente financiados pelos conselhos locais, ou a autoridade que representa cada região da cidade.

A outra parte do dinheiro vem o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês), que é responsável por fazer a coordenação entre as clínicas de saúde locais e outros serviços sociais.

O Instituto Nacional de Pesquisa em Saúde do Reino Unido ajudou a processar os dados do projeto-piloto. Os domicílios que receberam visitas regulares tiveram 47% mais chances de aceitar as vacinas e 82% mais probabilidade de fazer o rastreamento do câncer, em comparação com outras áreas não atendidas.

A ideia de importar esse modelo para o Reino Unido partiu de Matthew Harris, especialista em saúde pública do Imperial College London, que trabalhou como clínico-geral no Brasil durante quatro anos.

Na experiência brasileira, os agentes comunitários de saúde foram diretamente responsáveis por uma queda de 34% nas mortes por doenças cardiovasculares.

“No Brasil, eles escalaram esse papel a tal ponto que possuem atualmente 270 mil agentes comunitários de saúde em todo o país, e cada um cuida de 150 famílias, visitando-as pelo menos uma vez por mês”, pontua Harris.

“Eles tiveram resultados extraordinários em termos de saúde da população nas últimas duas ou três décadas. Acreditamos que temos muito a aprender com isso.”

Numa das unidades de saúde do bairro de Pimlico, em Londres, a médica Connie Junghans-Minton está convencida de que o projeto-piloto já está dando resultados, pois agora há menos solicitações de consultas desnecessárias.

Ela diz que gosta do fato de os agentes comunitários de saúde serem uma espécie de “olhos e ouvidos” da comunidade.

“Esses profissionais descobriram problemas médicos reais que não teriam chegado ao nosso conhecimento de outra forma”, destaca a médica.

“Antigamente, o clínico-geral do bairro conhecia todo mundo, mas, hoje em dia, não temos mais isso e não há como resgatar esse passado. Esta iniciativa [dos agentes de saúde] parece ser um caminho natural a seguir.”

Outras áreas do Reino Unido já estão replicando a iniciativa —esquemas semelhantes já foram implementados em locais como Calderdale, West Yorkshire, Warrington e Cheshire, por meio de redes locais de atenção primária.

Partes de Norfolk e da Cornualha também estão interessadas em seguir o mesmo exemplo.

Segundo o Imperial College, implantar uma iniciativa do tipo em todas as áreas mais pobres da Inglaterra custaria cerca de 300 milhões de libras (R$ 1,8 bilhão).

Os defensores apontam que esse investimento permitiria economizar muito dinheiro no futuro.